Novo 'Jogos Vorazes' não é perfeito, mas segura bem o legado da série
Recuperar a viabilidade financeira e criativa de uma série que chegou ao fim não é tarefa fácil. "Animais Fantásticos" é uma mancha incômoda no mundo de "Harry Potter". "O Hobbit" não alcançou a excelência de "O Senhor dos Anéis". Acertos como "Creed" são uma honrosa exceção.
"Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes" se posiciona em um confortável meio-termo. Não existe no novo filme uma estrela em ascensão como Jennifer Lawrence. A distopia pós apocalíptica na nação de Panem também soa requentada, bem como evaporou a novidade de ver jovens guerreando por sua vida para entreter as massas.
Ainda assim, o filme dirigido por Francis Lawrence, veterano de três dos quatro capítulos da série original, é uma aventura envolvente, ainda que imperfeita. Bons atores e uma trama mais preocupada com maquinações políticas do que com carnificina juvenil são o suficiente para valer a viagem - mesmo que o resultado bata na trave.
Ambientado mais de seis décadas antes da série original, "Cantiga" tem como único personagem recorrente o presidente Coriolanus Snow, então interpretado por Donald Sutherland. Aqui ele está longe de ser presidente, ainda não é maligno e manipulador e ganha vida com o pouco conhecido, embora estranhamente carismático, Tom Blyth.
Depois de um prólogo ainda sob os escombros da guerra civil que terminou com a segregação de parte da população de Panem, "Cantiga" salta no tempo e mostra Snow aos 18 anos, tentando segurar os frangalhos do legado de sua família. Esforçando-se para se manter entre a elite, ele e outros jovens privilegiados são obrigados a orientar os tributos selecionados para a décima edição dos jogos vorazes, cabendo a Snow ser o mentor de Lucy Gray Baird (Rachel Zegler, de "Amor, Sublime Amor").
Longe da sátira sobre mídia e fama dos filmes encabeçados por Jennifer Lawrence, a competição aqui é ainda mais brutal, com tributos soltos em uma arena como animais e o governo do Capitólio buscando formas de aumentar a audiência e manter sua política de (pouco) pão e (muito) circo. Peter Dinklage e Viola Davis, como o criador dos jogos e sua atual executora, energizam o filme sempre que ele ameaça derrapar.
"A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes" foi publicado por Suzanne Collins em 2020 e não trazia nem a ambição ou o escopo épico da série original. Sem o peso de erguer uma nova mitologia, o trabalho de Francis Lawrence na adaptação para o cinema foi manter a bola no jogo e amarrar um filme mais redondo, com começo, meio e fim.
Estender a ação para além da arena dos jogos foi uma decisão arriscada, mas em boa parte bem-sucedida. O caminho político de Snow para além dos bastidores do Capitólio, mais interessante do que mostrar outro replay de "Battle Royale", expande modestamente o mundo de "Jogos Vorazes". Sua relação com Lucy Gray, que salta de tributo e mentor para jovens apaixonados, traz uma âncora emocional sólida e uma reviravolta determinante para o futuro presidente.
Existe um peso injusto depositado nos ombros de Rachel Zegler quando ela é posicionada como uma espécie de "substituta" de Jennifer Lawrence. Lucy Gray não poderia ser mais diferente de Katniss Everdeen, não cabe a ela o papel de libertadora de uma nação opressora. Tudo que ela busca é sobreviver aos jogos e cantar - o que acontece, honestamente, um tantinho além da conta.
Passar do limite razoável termina como o maior pecado desse pesadelo distópico. Com pouco mais de duas horas e meia de projeção, o filme perde o rumo lá pelo terceiro ato e, depois de embaralhar tantas tramas paralelas, chega à sua conclusão incerto do caminho que deve tomar.
Até lá, entretanto, esse retorno a Panem acerta ao mostrar que não existe situação ruim que não possa piorar, e que as melhores intenções podem sucumbir ante a necessidade básica da sobrevivência. É parte da condição humana, uma entrelinha que o novo filme não se aprofunda mas também não ignora. Como sobrevida de uma série que se tornou fenômeno, "Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes" cumpre seu papel com louvor.
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