Roberto Sadovski

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Opinião

The Cure faz show intimista mais grandioso do mundo no Primavera Sound

Uma anomalia. Essa é a melhor maneira de descrever o The Cure, banda britânica capitaneada há mais de 40 anos por Robert Smith, que fechou a segunda noite do Primavera Sound em São Paulo. Afinal, é difícil traçar um paralelo entre sua música, erguida no pós-punk e metamorfoseada em trilha sonora gótica para almas desgarradas, com o rock de arena que geralmente embala grandes festivais.

Ainda assim, cá estamos, testemunhando Smith e cia. hipnotizar uma multidão de devotos com camadas e camadas de guitarras e teclados sob a qual repousa poesia sobre amores trágicos, cenários apocalípticos e melancolia em estado bruto. Canções novas abraçam a mesma estrutura de seus clássicos, num set entrecortado por hits improváveis e uma atmosfera que sugeria o clima intimista de um clube modesto, mas que estranhamente encontra-se à vontade em um espetáculo grandioso de luz e música.

No centro se destaca, claro, a figura de Robert Smith. Se nada na música soa como o The Cure, a culpa é de seu líder, astro do rock de visual desgrenhado e total controle de sua plateia. Smith no palco é um sujeito de poucas palavras e movimentos econômicos.

Mas basta liberar seu timbre peculiar e inimitável para ganhar o jogo. Não lhe falta bom humor: "Tive anos para aprender a falar português e fracassei", confessa, emendando: "Se serve de consolo, mal sei falar inglês".

Respeitosamente, discordo. Da abertura, com "Alone", canção inédita que deve figurar no próximo álbum da banda, Smith sugere com delicadeza a sensação de estar sozinho em uma multidão. Se a plateia começou tímida ao encarar um caminho desconhecido, a segunda música, a delicada "Pictures of You", já se transformou em coro, acelerando o Primavera Sound para o que seria seu melhor momento.

A partir daí, o The Cure chacoalhou a turma com as pérolas pop "Push", "In Between Days" e "Just Like Heaven", fez uma viagem por suas origens sombrias com um trio de canções do álbum Seventeen Seconds, de 1980 ("At Night", "Play for Today" e "A Forest"), e trouxe sua veia poética em estado bruto na bela "From the Edge of the Deep Green Sea".

No total, foram 29 músicas em um show de duas horas e meia sem nenhuma miséria. Disintegration, a obra-prima de 1989 que se tornou um dos sucessos mais improváveis da música pop, comparece com seis canções, inclusive "Lullaby", pérola que transforma narrativa em pesadelo musical, e a sublime "Plainsong", que antevê o encerramento do primeiro bis com a música-título do álbum.

A essa altura, o público, entre novos fãs e velhos entusiastas (opa!), já se encontra rendido, e nem a exaustão amplificada pelo calor que assola São Paulo freia o entusiasmo com o set aparentemente interminável.

O golpe de misericórdia vem no segundo bis, quando Smith conduz a banda em mais um desfile de hits, que vai da estranha "The Walk" a "Friday I'm in Love" (provavelmente a canção mais alto astral da história), numa reta final com "Close to Me" (o naipe de metais faz falta ao vivo) e "Why Can't I Be You?"

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The Cure fez um círculo completo ao se despedir com "Boys Don't Cry", que escancarou a banda ao mundo num distante 1979. A história do garoto que perdeu seu amor por puro orgulho sintetiza bem a jornada da banda como a materialização de uma melancolia atemporal.

Em pleno século 21, entretanto, os rótulos — pós-punk, gótico, new wave, metal, grunge - servem para organizar uma playlist, mas são referências mais de nostalgia do que de estado de espírito. Afinal, o The Cure, com sua aura de românticos malditos, fez todo mundo sorrir no Primavera Sound. Quem diria!

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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