Roberto Sadovski

Roberto Sadovski

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

'Wonka' é prólogo gracioso do clássico 'A Fantástica Fábrica de Chocolate'

Tinha tudo para dar errado. "Wonka" foi anunciado como um prólogo de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", clássico absoluto que desde 1971 enfeita a infância de muita gente. A mera ideia de explicar as origens do personagem causou arrepios em quem foi criado com a imagem misteriosa de Gene Wilder como o lendário chocolateiro. "Desnecessário", fez-se ouvir o brado coletivo.

A gritaria, por fim, era totalmente infundada. Com direção de Paul King, responsável pelos dois irretocáveis "As Aventuras de Paddington", "Wonka" é a definição perfeita de aventura para toda a família. O filme traz o DNA da fantasia dos anos 1970 sem uma ponta sequer de cinismo ou ironia. É gracioso, delicado, engraçado e emocionante, ancorado por uma performance no ponto certo de Timothée Chalamet.

Assumir o papel de Willy Wonka sempre foi um risco. Que o diga Johnny Depp, que arriscou uma versão levemente histérica na releitura promovida por Tim Burton em 2005 e, embora tenha minha simpatia, não deixou marca alguma no zeitgeist. Chamalet, por sua vez, se livra do peso de assumir o manto de Wilder porque não existe aqui a heresia de cometer uma refilmagem. Encarar uma história inédita lhe deu liberdade criativa, e o ator não decepciona.

"Wonka" expande as ideias escritas pelo autor Roald Dahl, que publicou "Charlie e a Fábrica de Chocolate", em 1964. Em vez de surgir como um milionário recluso, Willy é apresentado como um jovem idealista, disposto a honrar a memória de sua mãe e, após sete anos de viagens nas quais aprendeu a fazer o chocolate mais incrível do planeta, volta à cidade para começar seu próprio negócio.

Timothée Chalamet prova aqui sua vocação como protagonista criando um personagem simpático em sua ingenuidade e bom-mocismo. Existe em sua versão de Willy Wonka uma luz até então ausente em seus outros trabalhos, o que sugere um alcance dramático maior do que ele até então pôde mostrar. Se manter o ecletismo e as boas escolhas — em especial com seus diretores —, arriscaria que esse moço tem um grande futuro pela frente.

O roteiro de King, coescrito por Simon Farnaby, não busca reinventar a roda. O talento de Willy atrai a fúria de três empresários que dominam a produção de chocolate e eles tentam varrer o novato para debaixo do tapete. Não ajuda o fato de Willy se encontrar "preso" a um contrato que lhe mantém sob o jugo de uma hoteleira cruel (papel de Olivia Colman).

Auxiliado por uma órfã (Calah Lane) e outros "prisioneiros" da mesma estalagem, Willy traça planos para produzir e vender seu chocolate e juntar dinheiro para comprar sua liberdade e a dos amigos. A ajuda totalmente inesperada surge na forma de um Oompa-Loompa, criaturinha de uma terra distante que cobra uma dívida de Wonka e é aqui materializado com perfeição por Hugh Grant.

Continua após a publicidade
Wonka (Timothée Chalamet) captura um Oompa-Loompa abusado (Hugh Grant)
Wonka (Timothée Chalamet) captura um Oompa-Loompa abusado (Hugh Grant) Imagem: Warner

Um dos grandes trunfos de "Wonka" é não exagerar na exploração dos laços com o filme de 1971. Existem temas musicais que arremessam a memória da turma mais velha direto ao clima da aventura, mas eles servem como alicerce para canções novinhas em folha, mantendo a tradição musical da história. Mas quando uma revisão da bela "Pure Imagination" preenche o cinema, duvido que sobre um par de olhos secos.

Esse equilíbrio de reverência e originalidade é o tom que permeia o filme de Paul King de ponta a ponta. Auxiliado por uma produção suntuosa e um elenco totalmente rendido, ele conseguiu fazer de "Wonka" uma pérola que, em um cenário de filmes "desconstruídos" e de propriedades intelectuais cansadas, respira como uma sessão nostálgica e emocionante. Não vai tomar, por óbvio, o lugar de "A Fantástica Fábrica de Chocolate" em nosso imaginário. Mas, honestamente, nem precisa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.