'O Sequestro do Voo 375' coloca o Brasil no mapa dos grandes dramas de ação
A certa altura de "O Sequestro do Voo 375", o comandante Fernando Murilo faz com que seu avião, um Boeing 737 com mais de uma centena de passageiros à bordo, mergulhe em parafuso. É uma tentativa de desestabilizar o desempregado Raimundo Nonato que, empunhando uma pistola, mantinha um plano tresloucado de espatifar a aeronave contra o Palácio do Planalto, em Brasília.
O mais impressionante da cena é que ela reproduz com precisão espantosa os eventos de 29 de setembro de 1988, quando Nonato sequestrou o voo pilotado por Murilo num ato de completo desespero. Desempregado, reflexo de país em recessão econômica causada por duas décadas de ditadura militar, ele era uma pessoa comum levada a medidas extremas.
Dirigido por Marcus Baldini, o filme é um drama de ação raramente produzido no país por um motivo simples: não é fácil fazer um filme como "O Sequestro do Voo 375". Embora o público do cinemão esteja acostumado a produções semelhantes vindas de outros países, é uma surpresa bacana assistir a um filme tão caprichado e tão redondo com nosso DNA.
Seu maior trunfo está no roteiro. Assinado por Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre, "Voo 375" mostra uma das maiores virtudes do cinema de ação ao concentrar seus esforços em desenhar bem seus personagens. O artesanato está nas entrelinhas, em fragmentos de diálogos, em momentos em que a tensão tira o pé do acelerador, quando o texto cria uma conexão emocional de quem protagoniza a trama com quem está do lado de cá.
Para isso, Baldini contou com dois atores excepcionais que nos dão dois lados de uma moeda riscada. Em um canto está Murilo, interpretado por Danilo Grangheia. Além de pilotar o avião, ele sofreu a pressão da crise econômica e da inflação galopante, e que naquele momento tentava tão somente manter a cabeça fora d'água. No outro temos Jorge Paz como Nonato, que transforma desespero e aflição em fúria desconcertada com seu plano para matar o presidente. É com eles que acompanhamos cada passo da ação.
O roteiro acerta em não pintar Nonato como um vilão sem nuances. Existe o cuidado em não justificar suas ações, mas também em desenhar os motivos para sua ação ensandecida. São peças de um quebra-cabeças que "Voo 375" monta de forma equilibrada, costurando tensão com o drama humano. Cinema de ação, apesar de muitos torcerem o nariz, é um gênero difícil de realizar com a qualidade que ele merece.
Baldini e sua equipe encararam o desafio de frente e capricharam. Os efeitos especiais, especialmente no clímax, combinam tomadas aéreas, retoques digitais, truques em cena e montagem acelerada para máximo impacto dramático. Do texto ao elenco, tudo funciona em prol da história. São camadas cuidadosamente lapidadas em uma produção que usa o entretenimento como pilar para a reflexão.
O segredo é prestar atenção nos detalhes. "O Sequestro do Voo 375" é sobre um avião em perigo, sobre a coragem de um piloto ao administrar o desespero de um sequestrador e salvar seus passageiros. Mas é também sobre um período instável de nossa história, quando muitos militares não se conformavam em abaixar a cabeça para autoridades civis, exatamente como deve ser, e se mostravam despreparados para lidar com situações de crise.
Nas mãos de Baldini, o filme também se desdobra no drama do trabalhador em um país que sempre estoura a corda no lado mais fraco. Um país em que políticos se preocupam mais com imagem do que com vidas humanas. Um país em que o atraso é norma, o sexismo é regra, os militares só atrapalham e que basta uma pessoa cruzar a linha da civilidade para tudo sair do controle - vide a recente tentativa de golpe que ameaçou devolver o país às trevas.
Acima de tudo, "O Sequestro do Voo 375" é entretenimento de primeiríssima, um filme para ser apreciado no cinema, com tela grande e som no talo. Uma experiência que raramente brota por aqui e que precisa se tornar mais regra do que exceção. Um triunfo que coloca o Brasil no mapa dos grandes dramas de ação. No momento em que nossa cultura aos poucos volta a respirar, não é pouco.
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