Como John Woo ignorou o cinema moderno ao criar 'O Silêncio da Vingança'
John Woo tinha 40 anos e estava exausto. Depois de uma infância de privações, ele encontrara sua vocação nos bastidores do cinema, indo de assistente a diretor na efervescente cena de filmes de artes marciais em Hong Kong. Ainda assim, após uma década o brilho da profissão fora substituído por total e completa exaustão. Ele precisava se reinventar.
"Alvo Duplo", lançado em 1986, foi uma injeção de ânimo. A trama sobre a rivalidade de dois irmãos, um policial, outro um ex-gângster, deu espaço para Woo transformar suas influências - filme noir, westerns, nouvelle vague - em uma combinação complexa de atmosfera sombria, emoções exacerbadas e ultra violência, que redefiniu o cinema chinês.
O sucesso de seu estilo, com coreografias elaboradas para as cenas de ação, tiroteios intermináveis em câmera lenta e um vigor pouco visto no cinema da época, gerou uma coleção de pérolas do gênero policial. "O Matador", "Bala na Cabeça" e "Rajadas de Fogo" cravaram seu nome no cenário internacional. Quando "Fervura Máxima" foi lançado em 1992, Hollywood estava chamando. Era o momento para uma nova reinvenção.
Exaustão inevitável
Sua chegada no cinemão ianque foi alardeada como um dos momentos mais emblemáticos para o cinema de ação. "O Alvo" colocou Jean-Claude Van Damme a serviço de seu estilo. John Travolta se tornou parceiro involuntário em "A Última Ameaça" e "A Outra Face", esse também com Nicolas Cage. Os orçamentos aumentavam, outros cineastas buscavam espelhar seu estilo, o nome de Woo só crescia.
O novo milênio trouxe também seu maior sucesso, "Missão: Impossível II", e também a inevitável exaustão. Em "Códigos de Guerra" seu cinema hipercinético apresentava fissuras na armadura, rendendo-se enfim à autoparódia em "O Pagamento". O retorno a Hong Kong não era apenas inevitável: era essencial para resgatar sua alma.
O sucesso de sua volta triunfal para casa, o épico "A Batalha dos Três Reinos", não foi o suficiente para alavancar seus filmes seguintes. "Reino dos Assassinos", os dois "The Crossing" e "Caçadores de Homens" pareciam engolidos pelas inovações supersônicas do novo cinema de ação. Reinventar-se mais uma vez, agora retornando à Hollywood, parecia o movimento certo para se alinhar aos novos tempos. Mas John Woo tinha outras ideias.
Som, imagens e nenhum diálogo
A primeira vez que eu conversei com John Woo foi em 2000, justamente durante o lançamento de "Missão: Impossível II", uma época em que não parecia haver limites para onde ele levaria seu estilo de fazer filmes. Duas décadas depois, o novo "O Silêncio da Vingança" proporcionou um novo papo com o cineasta - e também a oportunidade para entender o que o levou de volta a Hollywood.
"Quando eu retornei para a China, fiz alguns filmes dos quais eu tenho muito orgulho", explica Woo, articulando sua voz rouca e serena. "Mas eles não foram bem sucedidos comercialmente, então eu parti em busca de material mais desafiador para filmar." Ele encontraria o roteiro perfeito para suas habilidades em "O Silêncio da Vingança" - o que significava cruzar o planeta novamente para Los Angeles.
"O que me atraiu foi a possibilidade de contar uma história usando som e imagens, sem nenhum diálogo", continua. "Era uma produção independente que também me daria liberdade para criar uma narrativa única," Quando pergunto se os grandes estúdios também lhe fizeram ofertas, o cineasta é categórico: "Eu já dirigi filmes grandes, e tudo o que sugeriam era ação e mais ação, nada que fosse interessante. Eu senti que esse filme poderia ser um recomeço para mim".
Uma força imutável
Esse recomeço, como "O Silêncio da Vingança" deixa claro, acontece nos termos do cineasta. John Woo mudou o cinema, mas ele mesmo permaneceu imutável. "Eu gosto de fazer meus filmes, digamos, à moda antiga", declara Woo, com um sorriso. "Eu gosto de manter o meu próprio estilo, gosto de criar personagens à minha maneira, não quis mudar absolutamente nada."
Não espere, portanto, ver o talento de John Woo empregado em algum espetáculo hollywoodiano moderno. "Eu não dou muita bola para tecnologia, não gosto de ficção científica", continua o diretor. "Nunca gostei de filmes com muitos efeitos especiais, não gosto de nada baseado em histórias em quadrinhos." Seus movimentos são sinais não de arrogância ou teimosia, mas de integridade e sabedoria.
A fadiga em acompanhar uma fileira interminável de espetáculos hollywoodianos, acredita Woo, é compartilhada pelo público. "Acho que a plateia em todo o mundo está se cansando desses filmes caríssimos com muitos efeitos especiais", conclui. "Eles querem assistir algo que sentem falta, e por isso eu rodei 'O Silêncio da Vingança' não pensando em nada além de fazer meu próprio filme. É isso. Nunca mude."
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