'O Mundo Depois de Nós' quer ser inteligente e intrigante, mas é só chato
![Julia Roberts grita (e a gente entende bem o motivo) em 'O Mundo Depois de Nós' Julia Roberts grita (e a gente entende bem o motivo) em 'O Mundo Depois de Nós'](https://conteudo.imguol.com.br/c/colunas/10/2023/12/14/mundodepois-abre-1702535429734_v2_900x506.jpg)
Você viu o trailer de "Civil War"? É um drama pós-apocalíptico em que os Estados Unidos entram em guerra após o colapso do país. Tem Kirsten Dunst, Wagner Moura e Jesse Plemons no elenco, sob direção de Alex Garland. Em pouco mais de dois minutos, traz também mais impacto do que as duas horas inteiras de "O Mundo Depois de Nós".
Estrelado por Julia Roberts, Mahershala Ali e Ethan Hawke, o filme assinado por Sam Esmail (criador de "Mr. Robot") estreou com muita pompa. É a adaptação de um livro aclamado, que fez o autor Rumaan Alam chamar a atenção do casal Barack e Michelle Obama. Eles assinam a produção do filme, uma alegoria sobre o lento esfarelar da sociedade quando ela cede ante uma catástrofe desconhecida.
Em vez de olhar para o macro, "O Mundo Depois de Nós" se fecha num microcosmo. Uma família (Roberts e Hawke, mais seus filhos interpretados por Charlie Evans e Farrah Mackenzie) passa férias numa casa de praia alugada na cercania de Nova York. Uma noite eles recebem a visita de pai e filha (Ali e Myha'la Jael), que se apresentam como donos do lugar e que precisam passar a noite ali.
É o gatilho para uma série de eventos aparentemente desconectados, mas que aos poucos traçam um quadro maior. A internet para de funcionar, seguida dos serviços telefônicos, da TV e do rádio. Estradas de acesso são bloqueadas (por uma frota de Teslas desgovernados) e animais apresentam comportamento estranho. É como se o fim do mundo tivesse chegado, deixando aquelas pessoas à deriva.
Este cenário pós-apocalíptico está longe de ser novidade na cultura pop. Ele já foi explorado em filmes, séries, livros e histórias em quadrinhos, com a causa do desastre indo de fungos zumbificantes ("The Last of Us") ao fim da taxa de natalidade ("Filhos da Esperança"), passando por alienígenas entediados (a ótima HQ "A Bela Casa do Lago"). Em outras palavras, se você quer detonar o mundo, capriche!
Bom, é exatamente o que não acontece em "O Mundo Depois de Nós". Obras com esse tema puxam o tapete da sociedade para depois traçar um caminho em que a humanidade possa se reencontrar. Dependendo do arco dramático, a solução pode ser otimista ou trágica, mas inevitavelmente faz algum sentido na lógica traçada pela história.
O problema aqui não é a falta de sentido ou de lógica, e sim de propósito. Desenhar uma história que integra a confusão como ferramenta narrativa é válido, é uma forma de envolver a plateia nos conflitos e dilemas dos personagens. A premissa levemente intrigante em "O Mundo Depois de Nós", contudo, logo se perde em uma série de situações desconexas que, embora visualmente estimulantes, não chegam a lugar algum.
![Julia Roberts e Ethan Hawke conhecem Mahershala Ali e My'hala em pleno fim do mundo Julia Roberts e Ethan Hawke conhecem Mahershala Ali e My'hala em pleno fim do mundo](https://conteudo.imguol.com.br/c/colunas/94/2023/12/14/mundodepois-familias-1702535480936_v2_750x421.jpg)
O problema é o roteiro mal escrito, em que Esmail traça perguntas e cria situações que nos fazem coçar a cabeça, mas não desenvolve nenhuma. Raso e inconsequente, o texto traz cenas que não conversam entre si e supostamente amarram um cenário grandioso, que por fim é só enfadonho.
Enquanto o filme se arrasta, nossa paciência se esvai. Julia Roberts e Mahershala Ali dançam na mansão, bêbados, e nada acontece. Ethan Hawke veste o manto de homem dodói e fuma maconha com Myha'la, e nada acontece. Evans perde os dentes após ser picado por um inseto, e nada mais faz sentido. Ali, até então o perfeito Maria Misterinho finalmente joga uma explicação sobre o motivo de tudo estar acontecendo, e daí o filme acaba. Zzzzz.
Tentar achar algum sentido em "O Mundo Depois de Nós" é pura perda de tempo, um exercício em futilidade que esconde o óbvio: não há explicação. Esmail faz cinema preguiçoso travestido de urgente e antenado com o mundo. Corre em círculos sem acrescentar nada de novo à discussão. E, não, não existe nenhum significado oculto em "Friends".
![Podia ser cena de 'Lost', mas é só Mahershala Ali em 'O Mundo Depois de Nós' Podia ser cena de 'Lost', mas é só Mahershala Ali em 'O Mundo Depois de Nós'](https://conteudo.imguol.com.br/c/colunas/ab/2023/12/14/mundodepois-lost-1702535455682_v2_750x421.jpg)
O streaming tem apostado em filmes que colocam pessoas normais em cenários distópicos com pouco sucesso. "Bird Box" foi um desastre, "Não Olhe Para Cima" uma perda de tempo, "Ruído Branco" uma tremenda bobagem. Quando o melhor exemplar contemporâneo deste subgênero é "Batem à Porta", que M. Night Shyamalan lançou corajosamente no cinema, é hora de soar o alarme.
O fim do mundo, apesar dessas evidências, é fonte inesgotável de boas histórias. É uma alegoria para preocupações sociais e políticas, é uma forma de refletir com a fantasia anseios reais estampados nos noticiários. A ficção nos dá alento e nos deixa alerta, mas para isso precisa embalar uma obra que vá além de truques baratos. "Civil War" vai ter de cortar um dobrado para desatolar o apocalipse.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.