Jodie Foster em 'True Detective': 'O streaming é onde as histórias estão'
"True Detective: Terra Noturna" não é exatamente a primeira experiência de Jodie Foster na televisão. Antes mesmo de sua estreia no cinema, aos 10 anos, na aventura "Napoleão e Samantha", a atriz já acumulava dúzias de créditos em seriados e também em comerciais. A quarta temporada da antologia exibida na HBO, porém, marca não só um reencontro, mas também o início de uma longa relação.
Acontece que Jodie Foster é uma artista inquieta. Ao longo de sua carreira, iniciada aos 3 anos em um comercial de protetor solar, a atriz se desvencilhou dos papéis - e do estigma - de "estrela mirim" para abraçar trabalhos para o público adulto, como "Taxi Driver". Depois de se formar na universidade de Yale, e de ver o interesse em seus filmes diminuir, ela arriscou tudo no drama "Acusados", ganhou o Oscar e não saiu mais do topo.
A partir de "O Silêncio dos Inocentes", de 1991, Jodie abriu e encerrou uma produtora (a Egg Pictures), estreou como diretora, encabeçou blockbusters e se firmou como uma das artistas mais brilhantes e completas de Hollywood. Mas o jogo mudou e agora, na segunda década do século 21, a TV evoluiu para o streaming e ela abraçou o formato na frente das câmeras em "True Detective: Terra Noturna".
Uma mistura de série de mistério e trama de terror, "Terra Noturna" é criação da roteirista e diretora Issa López e coloca Jodie ao lado da pugilista e atriz Kali Reis em uma história de assassinato nos confins gelado do Alasca, onde as duas mulheres precisam colocar suas diferenças de lado para resolver um crime horrendo. Conversei com o trio sobre essa nova fase de "True Detective", o terror como inspiração e o futuro no streaming.
"True Detective" chega ao Alasca
"Minha mente estava processando 'O Enigma de Outro Mundo', o filme de John Carpenter que eu revi há pouco tempo", conta Issa López, que começou a trabalhar em cinema e TV no México. "Eu também estava terminando de escrever um western sobrenatural que termina em uma batalha no gelo." Quando a HBO a procurou em busca de ideias para retomar "True Detective", a direção foi óbvia.
"Acho que a ambientação é parte do que faz de 'True Detective' uma série única", continua. "Os produtores imaginaram que, por eu ser mexicana, colocaria a história na fronteira com os Estados Unidos, mas eu odeio atender expectativas." Dessa forma, "Terra Noturna" também usa sua ambientação como parte integral da história, traçando uma história de um canto esquecido do mundo.
Para rodar a nova série, Issa optou pela Islândia em vez de encarar o frio do Alasca. "O ideal é filmar em lugares que inspiram nossa cidade fictícia", explica. "Mas no Alasca não existe infraestrutura e não há acesso durante o inverno". A temperatura rigorosa também cobraria um preço do elenco e até do equipamento, que poderia estragar com o frio. "A Islândia foi a melhor opção por trazer um cenário natural com o mesmo impacto", conta.
O streaming é o futuro
Jodie Foster não é totalmente estranha ao ambiente do streaming. Ela dirigiu dois episódios da série "Orange Is the New Black" e um de "House of Cards" para a Netflix, além de assinar "Arkangel" para a antologia "Black Mirror". "True Detective: Terra Noturna", contudo, representa seu mergulho mais ousado no novo formato seriado da TV.
"O streaming é onde encontramos as histórias hoje, está claro que é para onde a indústria tem caminhado", reflete. "Contar uma história como essa em seis episódios, nesse formato de minissérie, é genial por expandir a trama sem perder a ideia de um começo, meio e fim."
Jodie ressalta seu gosto pela ideia cinematográfica de tramas finitas: "Às vezes eu só assisto à primeira temporada de uma série porque é dificil para mim ver uma história se repetir. Mas a possibilidade de ter uma quantidade limitada de episódios é empolgante".
Quando pergunto se o streaming é o lugar onde ela pensa em atuar como criadora no futuro imediato, ela não hesita. "Como diretora? Com certeza! Essa arena é onde estou trabalhando agora, o lugar que eu sei que é para mim". Jodie ressalta que a indústria precisa caminhar em direção de onde as coisas estão acontecendo, onde o hábito do público está se consolidando.
"Eu acho curioso ver no cinema alguns filmes com 3 horas e meia, 4 horas de duração", continua. "Por que não pegar 6 horas e contar uma história maior e expandir outros personagens em vez de fazer um filme tão grande! Para mim o streaming é uma revolução extremamente positiva, e eu acho que é nessas plataformas que as pessoas estão reencontrando o gosto de acompanhar histórias."
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Aos 37 anos, Kali Reis encara seu terceiro trabalho como atriz, depois de uma carreira extremamente bem-sucedida como boxeadora profissional. Sua estreia foi em "Infiltrada - Golpe de Vingança", um drama ambientado no mundo do boxe, seguido do ainda inédito "Black Flies", que teve sua única exibição na última edição do Festival de Cannes. "True Detective", no entanto, foi um desafio diferente.
"Meu cérebro é perfeccionista por eu ser atleta", explica. "Eu estou acostumada a treinar e a repetir movimentos, mas, ao contrário do boxe, um round ruim no set não me derruba no chão, repetimos o take, aprendemos e, se algo não funciona, tudo bem." Trabalhar com Jodie Foster foi também uma oportunidade para aprender com uma das melhores atrizes em atividade. Quando pergunto o melhor conselho que ela recebeu da colega, Kali é categórica: "Ela me disse para não levar as coisas tão a sério".
O terror da vida real
Ao longo de suas três temporadas, "True Detective" acompanhou tramas distintas com investigações criminais que não se furtavam em mergulhar fundo no horror que o ser humano é capaz de cometer. A primeira série, lançada em 2014 e protagonizada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson trazia tintas sobrenaturais que capturaram a atenção de Issa López.
"O que mais me impressionou foi ver meus dois gêneros favoritos na mesma trama, que são o mistério de assassinato e a história de terror", lembra a diretora. "Eu me lembrei de "O Rei de Amarelo" (coletânea de nove contos de terror escritos por Robert W. Chambers em 1895), entendi a referência de Carcosa (cidade fictícia que pode ser um delírio). Existe uma forma de enxergar aquela primeira temporada que é totalmente sobrenatural."
"Terra Noturna" foi desenvolvida não só para recuperar esse elemento fantástico, mas também para aumentar seu volume. "Eu adoro histórias de terror, e acho que elas sempre funcionam melhor quando todo o resto é real", explica. "É aí que o sobrenatural parece sobrenatural, é aí que sentimos o arrepio. Quando tudo é estranho então tudo é possível, daí não faz muita diferença. Mas quando a realidade está enraizada, quando a dor é real, criamos uma sombra que acompanha cada um, e essa sombra é o sobrenatural."
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