De Dakota Johnson à marca Marvel, nada funciona no desastroso 'Madame Teia'
"Madame Teia" é uma máquina do tempo. Mal as luzes se apagam e somos transportados para meados dos anos 1990, quando filmes de personagens de gibis, à exceção de um ou outro "Batman", eram focados inteiramente em heróis classe Z — coadjuvantes de astros do primeiro time ou crias de quadrinhos independentes. Alguma coisa tinha qualidade? Certamente que sim!
O filme encabeçado por Dakota Johnson, porém, está mais para "Aço" do que para "O Corvo". Existe um certo constrangimento impregnando cada polegada de celuloide nesse "filme de origem" de uma personagem do universo do Homem-Aranha, que em absolutamente em nenhum momento cita o Homem-Aranha. "Madame Teia" tem vergonha de ser o que é.
Não é para menos. Qualquer ímpeto criativo é substituído pela necessidade corporativa em manter uma marca. Não se engane com o selo Marvel que abre o filme, é uma obrigação contratual que não traz nenhuma ligação com nada produzido pelos criadores de "Os Vingadores" e "Guardiões da Galáxia". Mesmo que o estúdio tenha visto dias melhores, qualquer um de seus produtos é "Cidadão Kane" comparado a esse desastre.
Cada decisão em "Madame Teia" parece tomada por um grupo de adolescentes que não faz a menor ideia em como construir um filme. São diálogos permeados pela pior pseudociência, proferidos por personagens pessimamente construídos, envolvidos em situações guiadas pelo acaso e por um roteiro indigente. Se a suspensão da descrença é vital para embarcar em uma fantasia, a coisa aqui passa do limite do ridículo.
A expressão de pânico de Dakota Johnson ao longo de todo o filme diz muito. Ela é Cassie Webb (sério), socorrista atuante em Nova York. Quando um acidente quase resulta em sua morte, ela desenvolve uma visão premonitória, que a faz enxergar, mesmo acordada, eventos do futuro. Esse dom, que Cassie encara com naturalidade desconcertante, a coloca em rota de colisão com o vilão da aventura.
Aqui as coisas começam a complicar, mas vem comigo. O malvadão é Ezequiel (Tahar Rahim), que três décadas antes matou a mãe de Cassie no meio do território amazônico no Peru enquanto ela, gravidíssima, pesquisava aranhas dotadas de características capazes de revolucionar a medicina. Ezequiel, por sua vez, quer o aracnídeo por acreditar que seu veneno pode lhe conferir (claro) superpoderes.
Corta para a Nova York de 2003, quando Ezequiel é assombrado por visões de seu próprio assassinato nas mãos de três jovens com poderes de aranha. Ao caçar as adolescentes, que não possuem nenhuma ligação entre si, ele esbarra em Cassie, que viu a morte das três pelas mãos do sujeito e se torna sua protetora. Boa parte de "Madame Teia" se passa, então, dentro de um táxi roubado, com Cassie e as três garotas - Julia, Maddie e Anya - tentando se entender.
A partir daí, nada mais em "Madame Teia" faz sentido. Se o plano de Ezequiel tem a consistência de farinha de trigo, suas presas sofrem de ausência completa de desenvolvimento dramático, não indo além de "jovens revoltadas com o mundo". É doloroso ver Sydney Sweeney, uma das atrizes mais promissoras do cinema moderno, perdida em um papel coadjuvante ingrato e limitado.
Cada nova decisão narrativa é mais bisonha que a anterior, o que inclui uma viagem de Cassie ao Peru, bem no meio da ação, para "buscar respostas" no passado de sua mãe. Quando mais "Madame Teia" avança, mais ele afunda com a direção equivocada de S.J. Clarkson (veterana da TV, que fez "Jessica Jones" e "Os Defensores" para a Marvel), que inclui Ezequiel como um Homem-Aranha de R$ 1,99 e a perseguição de carros mais vergonhosa da história.
No balaio do "universo compartilhado" dos personagens do Aranha sem o Aranha, "Madame Teia" caminha de mãos dadas com "Morbius", com o agravante de jamais assumir sua posição neste mundo. Adam Scott, por exemplo, interpreta Ben Parker, o tio de destino trágico do Homem-Aranha. Ele dá uma força à sua cunhada Mary (Emma Roberts), prestes a ter o bebê. Mas em nenhum momento você vai ouvir o nome da criança, Peter.
Quem tirou o menor palito em "Madame Teia" foi mesmo Dakota Johnson. Enquanto a atriz brilha em filmes independentes como "Suspiria" e "A Filha Perdida", aqui ela ganha a tarefa ingrata de fingir que uma personagem mal concebida tem alguma substância. Nem se divertir em um candidato a blockbuster ela consegue, já que essa é uma aventura de super-heróis sem superpoderes, com as habilidades despertas de Cassie sendo unicamente psíquicas.
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Quero receber"Ah, mas as outras Mulheres-Aranha aparecem com seus uniformes no trailer", você pode dizer. Bom, aqueles segundos nas prévias são o único vislumbre das atrizes - além de Sydney Sweeney, temos Celeste O'Connor e Isabela Merced - devidamente trajadas. Na versão que eu vi, não existe também uma cena pós-créditos, "marca" de tudo que tenha o selo Marvel. Talvez seja melhor. Sair do cinema assim que o filme termina, a essa altura, é uma bênção.
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