'Quarteto Fantástico': como um filme nos anos 1960 pode revigorar a Marvel
Em um mundo perfeito, "Quarteto Fantástico" teria sido o primeiro filme dos estúdios Marvel, a pedra fundamental que dispararia seu universo compartilhado. Por motivos contratuais, que amarravam os personagens a outro estúdio, não era para ser. A tarefa terminou com "Homem de Ferro" em 2008, iniciando o que se tornaria a série cinematográfica mais lucrativa da história.
Eis que, com novos acordos firmados e advogados felizes, a equipe finalmente volta para casa. Agendado para julho de 2025, "Quarteto Fantástico" dá um passo para finalmente sair do papel ao ter seu elenco anunciado. Ao lado de Pedro Pascal, que teve seu nome ventilado ainda ano passado como o Senhor Fantástico, estarão Vanessa Kirby (Mulher Invisível), Joseph Quinn (Tocha Humana) e Ebon Moss-Bachrach (o Coisa).
O estúdio segue sua boa mão em parear atores com personagens, trazendo aqui uma coleção de performers de imenso talento, que trafegam bem tanto em produções independentes quanto em candidatos a blockbuster. A pergunta que o anúncio não respondeu, e que permanecerá em segredo pelos próximos meses, é a forma como eles serão inseridos neste vasto universo compartilhado sem que o público preciso ler uma bula.
Ao que tudo indica, a resposta não está no "como", e sim em "quando". O teaser que acompanha o anúncio coloca o Quarteto não no mundo contemporâneo, mas ambientado explicitamente nos anos 1960. Do figurino ao mobiliário, passando pelo estilo de arte e até da fonte escolhida para reapresentar o logo do filme, tudo grita vintage. O Coisa, em sua glória rochosa, está inclusive lendo um exemplar da revista "Life" de dezembro de 1963!
Se a escolha for além da estética do marketing, abraçando também o roteiro do próprio filme, talvez seja a decisão mais esperta da Marvel em anos. Ao arremessar o Quarteto na época em que ele foi criado nos quadrinhos, o estúdio teria uma página em branco para trabalhar, sem os dissabores de mais de uma década de histórias que, no mínimo, impede que o público deste universo seja renovado.
A escolha de Matt Shakman como diretor do filme é outra pista para o caminho que "Quarteto Fantástico" pode seguir. Na Marvel, ele foi o responsável por "WandaVision", primeira série do estúdio para o streaming, que colocou seus protagonistas, o Visão (Paul Bettany) e a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), em um idílio suburbano na metade do século 20, um cenário que transbordava nostalgia. Seu foco não era a ação, e sim um núcleo familiar alterado por acontecimentos fantásticos (epa!).
Some isso ao fato de o Quarteto Fantástico não ser uma equipe de super-heróis como os Vingadores ou os X-Men. Eles são, antes de qualquer coisa, uma família. São astronautas, desafiadores do desconhecido que ganham seus poderes quando uma viagem espacial clandestina os expõe a raios cósmicos que alteram seu DNA. É no campo da (pseudo) ciência e da exploração de diferentes universos que o Quarteto vive suas aventuras.
Esse respiro fora da própria caixa é exatamente o que a Marvel precisa. Não que o estúdio esteja em apuros — que o digam os US$ 850 milhões levantados por "Guardiões da Galáxia Vol. 3" ano passado. Mas é certo que, depois de "Vingadores: Ultimato", o universo compartilhado perdeu sua âncora emocional, um equilíbrio narrativo que, por mais de uma década, foi representado por Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Steve Rogers (Chris Evans).
Mudar o cenário talvez ajude a reacender essa conexão, obtendo assim um novo ponto de partida para este universo — a nova fase, "Saga do Multiverso", ainda não mostrou a que veio. Uma atualização posterior e contemporânea do status quo do Quarteto, vamos combinar, seria moleza. Basta bolar uma roteirice envolvendo exploração do multiverso, viagem no tempo e um retorno providencial antes das "Guerras Secretas" e voilá: o Quarteto volta a seu lugar de direito.
Criar uma aventura do "Quarteto Fantástico" nos anos 1960 nem sequer é uma ideia nova. No começo do século, quando a Fox começou a série dos "X-Men", o produtor Ralph Winter trabalhou no desenvolvimento de uma aventura com os quatro heróis para o mesmo estúdio. A direção seria de Peyton Reed, que planejava uma estética similar à sua comédia romântica "Abaixo o Amor".
Eu visitei o escritório da produção na época, que trazia nas paredes estudos para figurino e amostras de arte conceitual, detalhando os laboratórios do Edifício Baxter e o castelo de Victor Von Doom, o Doutor Destino. O papel do Senhor Fantástico estava reservado para Cambell Scott, e Bobby Cannavale seria o Coisa. Esse projeto, claro, não saiu do papel, e Reed terminou, anos depois, dirigindo os três "Homem-Formiga".
Criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1961, o Quarteto Fantástico iniciou a Era Marvel nos quadrinhos. Ao contrário dos super-heróis da concorrência, liderada por Superman e Batman, a criação de Lee/Kirby usou conceitos de ficção científica e fantasia para trazer realismo às histórias. Haviam superpoderes e criaturas sobre-humanas, mas o centro emocional sempre esteve com os personagens.
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Quero receberA primeira tentativa para levar o Quarteto Fantástico ao cinema começou fadada ao fracasso. Produzido por Roger Corman em 1994, este primeiro filme foi rodado exclusivamente para a produtora Constantin Films manter seus direitos autorais, sem nenhuma intenção de um lançamento comercial. A equipe e o elenco não faziam ideia que seu trabalho tinha como destino um cofre. Hoje este "Quarteto Fantástico" encontra-se disponível na íntegra no YouTube.
Em 2005 e 2007, Tim Story dirigiu uma versão aguada da equipe para o cinema que, mesmo sem obter o mesmo interesse da série "X-Men", é honesta como diversão juvenil. Chris Evans, que interpretou o Tocha Humana, posteriormente voltou para a Marvel como o Capitão América. Em 2015 foi a vez de Josh Trank reinterpretar "Quarteto Fantástico" como uma ficção científica de terror, mas o resultado foi pavoroso — no pior sentido.
Quando a Disney integrou a Fox em seu conglomerado, umas das consequências foi devolver à Marvel as propriedades intelectuais na mão do estúdio, como Demolidor, os X-Men e o próprio Quarteto. Desde então, os personagens habitam uma espécie de limbo, aguardando o momento de ressurgir.
"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" trouxe versões de realidades alternativas de personagens como Reed Richards e o Professor Xavier. O Fera, outro mutante dos X-Men, aparece em uma cena pós-créditos em "As Marvels". Depois de uma bem-sucedida série na Netflix, o Demolidor prepara sua volta à TV com a maxissérie "Born Again", Charlie Cox e Vincent D'Onofrio à frente.
"Quarteto Fantástico", por sua vez, marca a maior aposta da Marvel em personagens que passaram tempo demais fora de seu controle. O problema do estúdio ainda é volume de produtos. Se "Deadpool & Wolverine" é o lançamento solitário nos cinemas em 2024, ano que vem o universo volta à carga: além do filme de Matt Shakman, A Marvel lança "Capitão América: Admirável Mundo Novo", "Thunderbolts" e "Blade".
Ainda assim, é de "Quarteto Fantástico" a vocação para reconduzir a Marvel ao topo do pódio ao sugerir uma direção alternativa para o cansativo universo dos super-heróis. Os Vingadores podem ser a equipe mais poderosa, e os X-Men são definitivamente a mais surpreendente. Mas é a criação de Stan Lee e Jack Kirby quem pode trazer a combinação de aventura e coração que o cinema pop precisa.
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