Roberto Sadovski

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Opinião

O divertidíssimo X-Men '97 prova que nostalgia é o motor da cultura pop

Houve uma época em que os X-Men dominavam o mundo pop. Entre 1992 e 1997, a versão em desenho animado para os mutantes da Marvel quebrou a bolha dos entusiastas de histórias em quadrinhos e fez dos heróis — de Wolverine e Ciclope a Tempestade — os verdadeiros astros da editora.

O segredo para o sucesso foi não inventar moda. Os episódios do desenho adaptavam as melhores tramas dos quadrinhos de forma descomplicada, mantendo as alegorias sociais e, também, o clima de novelão. Nas histórias dos X-Men, as relações interpessoais sempre foram mais interessantes do que a pancadaria.

Corta para mais de duas décadas depois. Adquirida pela Disney, a Marvel deixou de ser só uma empresa de gibis para se tornar um colosso na cultura pop, seus personagens rivalizando em popularidade com criações com mais tempo de estrada. Por causa de meandros legais, os X-Men ficaram de fora da festa, já que seus direitos pertenciam à rival Fox. Mas o mundo, é claro, capota.

Ciclope à frente dos heróis mutantes em 'X-Men '97'
Ciclope à frente dos heróis mutantes em 'X-Men '97' Imagem: Marvel

X-Men '97 é o primeiro lançamento dos mutantes desde que, com a compra da Fox pela Disney em 2017, todos os heróis Marvel passaram a dividir o mesmo teto. Eles poderiam ter sido encaixados em filmes alheios, poderiam entrar em cena em uma nova série. A melhor decisão para lidar com mais um catatau de personagens, por fim, foi a mais óbvia: não se mexe em time que está ganhando.

Em vez de experimentar alguma reinvenção, ou de quebrar a cabeça para encaixar os mutantes no agora confuso universo cinematográfico da Marvel, o estúdio optou por continuar a série animada dos anos 1990. Sem firulas, sem mexer na cronologia. X-Men '97 começa no momento exato em que os episódios originais foram encerrados, em 1997. O poder mutante aqui foi a ilusão de tempo congelado.

Um olhar mais atento, porém, entrega que o tempo fez bem, sim, aos heróis mutantes. A animação, embora espelhe o estilo de décadas atrás, é mais fluida, pero no mucho. O texto ficou mais esperto, dividindo melhor o protagonismo em um elenco já diverso — as mulheres, afinal, sempre foram a espinha dorsal dos X-Men. O foco, ainda bem, não está nem um pouco em Wolverine.

A tragédia e o triunfo de Tempestade em 'X-Men '97'
A tragédia e o triunfo de Tempestade em 'X-Men '97' Imagem: Marvel

O tema de abertura, um dos melhores pedaços de música já feito para embalar super-heróis, teve um upgrade sutil sem perder impacto. O mais importante, contudo, é perceber que a Marvel não perdeu a mão com os mutantes, entendendo que as histórias dos X-Men sempre são melhores quando se concentram em seus personagens, e não em uma vitrine de poderes exóticos.

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Ao final da quinta temporada da série original, o professor Charles Xavier foi mortalmente ferido, sua esperança de cura reside em deixar a Terra ao lado de Lilandra, líder de um império galáctico. É nesse ponto em que X-Men '97 começa, com a equipe fragmentada e seu líder, Ciclope, considerando deixar o time ao lado de Jean Grey, que está extremamente grávida.

É o ponto de partida para um drama de ação que envolve grupos racistas extremistas que odeiam os mutantes pelo simples fato de eles serem diferentes, o surgimento de novos mutantes que podem compor os quadros da equipe e a revelação que Xavier deixou todo o seu legado em testamento para seu inimigo e melhor amigo, Magneto. Intrigas políticas, tensão racial, romances impossíveis, ação eletrizante... e clones — tudo que uma boa história precisa ter.

Wolverine e Gambit em 'X-Men '97'
Wolverine e Gambit em 'X-Men '97' Imagem: Marvel

Essa conexão com o passado não só resgatou uma legião que não dava mais bola para os X-Men, como apresentou os mutantes para uma novíssima geração. Os filmes com Hugh Jackman como Wolverine tiveram papel fundamental na construção da era dos super-heróis no cinema, mas se esvaziaram em um final melancólico.

Já a série nos quadrinhos hoje encara mais uma reinvenção porque os X-Men ficaram numerosos demais e especiais de menos, perdendo sua conexão com o leitor.

Tal qual sua animação dos anos 1990, a matéria-prima para X-Men '97 são os quadrinhos. Mas não o gibi moderno, que é confuso e desinteressante, e sim as tramas hoje clássicas. O fã mais atento já percebeu que a estrutura narrativa do desenho, do julgamento de Magneto à perda dos poderes de Tempestade, são recortes diretos de sagas dos gibis. A memória afetiva grita!

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O produtor Kevin Feige repete que, em caso de dúvida sobre o universo Marvel, a resposta está nas HQs. Em seu melhor, os X-Men alternaram entre o melodrama bacana (o que o autor Chris Claremont lapidou à perfeição) e a ficção científica hardcore (toda a fase assinada por Grant Morrison). Por enquanto, temos o primeiro como inspiração para a série, mas não duvido que desenho possa também minar o segundo.

Magneto vive o dilema entre ser herói e vilão em 'X-Men '97'
Magneto vive o dilema entre ser herói e vilão em 'X-Men '97' Imagem: Marvel

X-Men '97 também é um balão de ensaio para a volta dos mutantes em filmes e séries da Marvel. Alguns personagens pipocaram de forma inconsequente em "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" e em "As Marvels", geralmente como mero agrado ao fã.

O novo desenho, por outro lado, sugere uma equipe de heróis ousada e empolgante, exatamente como era em seu auge nos gibis que inspirou sua primeira ida à TV. Pouco antes da virada do milênio, super-heróis ainda eram o refúgio de iniciados e a cultura pop não precisava de grandes eventos ou de mundos conectados para sobreviver. Foi uma época vibrante, em que a Marvel ainda corria riscos.

São estes os X-Men que voltam ao holofote. Heróis de tempos menos confusos e mais sofisticados, em que a pirotecnia existia para emoldurar os conflitos de personagens em aventuras fantásticas. Essa mesma época hoje é recuperada de forma empolgante em X-Men '97. Olhar para o passado e, dessa forma, desenhar o futuro, é um baita poder mutante.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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