'A Primeira Profecia': o anticristo retorna em terror religioso genérico
"A Primeiro Profecia" é, em teoria, um prólogo do clássico moderno que Richard Donner dirigiu em 1976. Devo ressaltar o termo "teoria" porque, tirando uma conexão mal-ajambrada com o original encaixada em seus minutos finais, o que sobra aqui é um filme de terror religioso genérico, nada diferente das dúzias que se espremem por um espaço no cinema.
Isso não impede, claro, a exploração da marca - e uma grife jamais estará fora do radar dos grandes estúdios. "A Profecia" foi um sucesso de público e se tornou um fenômeno na segunda metade dos anos 1970, alimentando o terror apocalíptico deflagrado alguns anos antes por "O Bebê de Rosemary". Com a Guerra do Vietnã minando a autoestima dos EUA, uma produção abordando o fim dos tempos trazido por um anticristo traduziu à perfeição o espírito daquela época.
O sucesso gerou uma série, com "Damien - A Profecia II" (1978) e "A Profecia: O Conflito Final" (1981) posicionados como sequências diretas do filme original. "A Profecia 4 - O Despertar" (1991) não fez nenhum barulho, e quando a refilmagem comandada por John Moore em 2006 flertou unicamente com a irrelevância criativa, o portador do "número da besta" parecia aposentado.
Como em Hollywood não existe isso de propriedade intelectual abandonada, este "A Primeira Profecia" chega surfando na onda das "sequências de legado", em que elementos do primeiríssimo filme são reutilizados em uma trama que pode até parecer nova, mas que não passa de uma cópia que ganhou um banho de loja. Na maioria das vezes, porém, não é o bastante.
A protagonista aqui é Margaret Daino (Nell Tiger Free), noviça levada dos Estados Unidos à Roma pelo cardeal Lawrence (Bill Nighy) para finalizar seus votos. Posta ao lado de outras freiras para trabalhar em um orfanato, ela toma afeição por uma jovem em particular, Carlita (Nicole Sorace), que não raro é vítima do descaso e da crueldade da congregação liderada pela irmã Silva (Sônia Braga).
A estranheza do convívio com as freiras toma uma direção sinistra quando Margaret é procurada pelo padre Brennan (Ralph Ineson), que pede sua ajuda para desbaratar um plano traçado por radicais da igreja católica para trazer à Terra o anticristo. Ele busca evidências da origem satânica de Carlita e, apesar da hesitação de Margaret, ela por fim concorda em se envolver no mistério.
O personagem do sempre eficiente Ralph Ineson é a conexão mais direta do novo filme com "A Profecia" original, no qual foi interpretado por Patrick Troughton. O resto de "A Primeira Profecia", contudo, é um emaranhado de referências e tramas que, embora caminhem para uma conclusão familiar - o nascimento do anticristo -, pecam em amarrar qualquer lógica para chegar até ela.
Falta à diretora estreante Arkasha Stevenson pulso para imprimir alguma personalidade ao filme. Em vez disso, ela reaproveita o cardápio visual lapidado por Richard Donner há quase cinco décadas, resultando em sustos reciclados espalhados por uma narrativa óbvia. Para complicar, "A Primeira Profecia" marcha em um ritmo glacial, que confunde construção de clima com o tédio mais profundo.
A opção por trilhar o caminho mais óbvio é compreensível na lógica corporativa. Marcas como "A Profecia" - ou "O Exorcista", ou "Halloween" - estão fadadas a movimentar essa ciranda do cinema de terror em um processo eterno de autofagia. Só lamento de verdade por Nell Tiger Free, que apresenta uma interpretação verdadeiramente notável e merecia um filme melhor.
A mesma lógica do mercado abre espaço para que "A Primeira Profecia" deixe gancho para gerar uma nova série, mesmo finalizando a conexão com "A Profecia" em seu clímax. Ainda assim, não é necessário assistir ao filme original para entender o novo. Mas eu aconselho: dessa forma, é possível sair da experiência no lucro.
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