Roberto Sadovski

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Opinião

A indústria do cinema não merece o gênio de Francis Ford Coppola

Francis Ford Coppola estará de volta ao Festival de Cannes este ano. Seu "Megalópolis" será exibido em 17 de maio, dentro da competição oficial - uma vitória seria a terceira para o cineasta, agraciado anteriormente com a Palma de Ouro em 1974 por "A Conversação", repetindo o feito em 1979 com "Apocalypse Now". "Coppola sobreviveu a todas as batalhas", disse o diretor do festival, Thierry Fremaux. "Ele mantém seu apetite pela vida e pelo cinema, o que é estimulante e extraordinário."

"Batalha" resume bem a jornada de Coppola de volta ao cinema. "Megalópolis" germinou na mente do diretor ainda no final dos anos 1970, e nas décadas subsequentes ele lapidou diferentes versões do roteiro. Entraves conceituais e freios financeiros impediram que o filme, uma distopia que imagina um simulacro do Império Romano em uma Nova York reconstruída após sua destruição acidental, saísse do papel.

Indisposto a trabalhar com as limitações dos grandes estúdios, o diretor finalmente investiu cerca de US$ 120 milhões de seu próprio dinheiro, financiamento garantido com a venda de parte de suas vinícolas e resorts, e terminou as filmagens ano passado. Para apresentar "Megalópolis" à indústria, Coppola organizou uma sessão especial em Los Angeles, realizada no fim do mês passado. E a resposta foi, para dizer o mínimo, frustrante.

'Megalopolis' será exibido em Cannes
'Megalopolis' será exibido em Cannes Imagem: Reprodução

"É impossível colocar esse filme no mercado", disse um distribuidor ao The Hollywood Reporter após a sessão. "Todos torcem para Francis, mas precisamos olhar para isso como um negócio", disse outro. Em uma plateia com presidentes e executivos dos grandes estúdios, as reações a "Megalópolis" giraram em torno de suas possibilidades comerciais. Um filme dessa estatura exige um investimento em marketing na casa da centena de milhões de dólares. O futuro se desenhou como mais uma batalha.

O presente, contudo, representa o estado das coisas desolador da Hollywood atual. Estamos falando de um cenário em que um épico de ficção científica assinado por um dos maiores cineastas da história não consegue fechar um acordo para sua distribuição. Estamos falando dos mesmos gênios que acharam razoável injetar milhões em coisas como "Argyle" ou "Madame Teia". Cinema é produto, claro. Mas o produto não existiria sem o estímulo da arte.

ÁGUA NO PESCOÇO

Não é a primeira vez que Coppola enfrenta um cenário tão combativo. As filmagens de "Apocalypse Now", último de seus filmes nos anos 1970, foram um pesadelo estendido por mais de um ano, contando com o infarto de seu protagonista e um astro que se recusava a ser profissional. A cópia exibida em Cannes, premiada com a Palma de Ouro, estava incompleta.

Entrando nos anos 1980, o diretor encarou revés após revés. O musical "O Fundo do Coração", de 1982, fracassou de tal forma que ele teve de vender parte do terreno de seu estúdio, Zoetrope. Embora "Vidas Sem Rumo" tenha sido um sucesso moderado, "O Selvagem da Motocicleta" causou prejuízo milionário a seus investidores.

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A essa altura, Coppola emprestava seu talento para projetos financeiramente atraentes, como o bem-sucedido "Peggy Sue - Seu Passado a Espera" e o curta "Captain EO", uma encomenda da Disney para seus parques temáticos, com produção do amigo George Lucas e Michael Jackson como protagonista. Cada vez que ele respirava, porém, um desastre como "Jardins de Pedra" trazia a água de novo para o pescoço.

LINHA DE MONTAGEM

Foi por liquidez financeira que ele fez o terceiro "O Poderoso Chefão" em 1990, e depois encarou "Drácula de Bram Stoker" dois anos depois. Em nenhum momento, porém, Coppola trabalhou sem paixão ou total dedicação. Cada filme era uma experiência para lapidar ainda mais suas habilidades como diretor. Depois de "Jack" e "O Homem Que Fazia Chover", e com os dividendos agora milionários de seus negócios paralelos, em especial sua vinícola, ele encerrou sua parceria com Hollywood.

O Coppola do novo século se mostrou um cineasta dedicado a explorações conceituais, com zero preocupação com orçamentos ou resultados nas bilheterias. Esse respiro lhe deu espaço para experimentar em filmes como "Velha Juventude" e "Tetro". "Virginia", de 2012, foi um ponto final nessa fase de sua jornada, não por coincidência quando os super-heróis tomavam o cinema de todos os lados.

"Eu não quero mais fazer filmes em linha de montagem, prefiro experimentar com a forma e trabalhar do meu jeito", disse em 2015. "Mas o cinema comercial inclinou-se para o negócio dos super-heróis, e a escala de tudo aumentou. Os orçamentos inflaram de tal forma que não tenho mais interesse em investir no esforço necessário para fazer um filme."

MEUS BONS AMIGOS

O ímpeto de um artista, contudo, não pode ser represado. Aos 84 anos, Francis Ford Coppola percebeu que ainda havia combustível para ele se expressar pelas lentes de uma câmera, e assim "Megalópolis" surgiu. É possível que seja mesmo um filme estranho, pouco comercial, sem "herói e vilão bem definidos", como colocou um executivo que assistiu à já lendária sessão de março. Pessoalmente, só enxergo predicados.

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Um filme é um produto. É um investimento milionário que, como tal, exige alguma possibilidade de retorno. Mas um filme também é arte, e seus dividendos não podem ser medidos somente em cifrões. O cinema pop já despeja nos multiplexes uma quantidade considerável de projetos supostamente viáveis - "Madame Teia" recebeu o OK de algum engravatado -, então é inimaginável que um filme de um verdadeiro gênio tenha de atravessar esse calvário.

Mas é este o nome do jogo. No mundo real, "Megalópolis" será exibido em Cannes, finalmente revelado ao mundo. Talvez por uma coincidência cósmica, George Lucas, que teve seu primeiro filme, "THX-1138", produzido por Coppola, também estará em Cannes para ser homenageado. É possível que, no calor do verão na Riviera Francesa, e no reencontro de velhos amigos, o futuro distópico imaginado por Francis Ford Coppola encontre uma casa.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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