'Ripley' + 11 ótimos filmes do século 21 em preto e branco para ver em casa
Não é a primeira vez que o sedutor e repulsivo Tom Ripley, criação da escritora Patricia Highsmith, salta dos livros para uma representação em carne e osso. Poucas vezes, contudo, ele foi emoldurado de forma tão atraente — tanto na forma em que ele é apresentado como em seu intérprete.
Em "Ripley", série desenvolvida pelo roteirista e diretor Steve Zaillian, o personagem, um trapaceiro que escala seu status para assassino após ser apresentado a um estilo de vida irresistível, ganha vida com frieza hipnotizante por Andrew Scott.
É uma escolha ousada, que difere da beleza estonteante de Alain Delon em "O Sol Por Testemunha" e da ambiguidade perigosa de Matt Damon em "O Talentoso Ripley".
Steve Zaillian ainda injeta em "Ripley" um senso de humor assumidamente mórbido, criando um estudo de personagem de emoções deliberadamente dispersas.
O foco é compensado com a escolha em filmar em preto e branco, decisão alinhada com a memória de Zaillian com seu primeiro contato com a obra de Highsmith. O resultado é um produto de beleza inquestionável, com o contraste das imagens desenhando o impacto da narrativa.
Não foi sem surpresa, portanto, que parte das críticas à série miraram justamente em sua fotografia em preto e branco. Existe um naco do público que ignora, de maneira criminosa, qualquer produto audiovisual criado com ausência de cores.
Deixando de lado a total ignorância de quem traça um paralelo com produtos "velhos", resta lamentar qualquer um que limita suas próprias experiências. É do jogo.
Não vou me atrever a listar os maiores clássicos do cinema rodados em preto e branco — de "Os Sete Samurais" a "A Lista de Schindler", passando por "Sindicato de Ladrões", "A Marca da Maldade", "O Sétimo Selo", "Matar ou Morrer", "O Que Terá Acontecido a Baby Jane?", "Metrópolis", "A Noite dos Mortos Vivos", Hitchcock, Truffaut, De Sica, Bergman, ufa! É uma lista interminável de filmes essenciais, que valem cada segundo de nosso tempo.
Em vez disso, preparei um apanhado mais modesto, 11 filmes produzidos neste novo século, que trazem um apanhado eclético da beleza que é acompanhar uma história em preto e branco.
Não por uma necessidade técnica, mas por uma escolha artística, criativa e emocional. Assim como "Ripley", um apanhado da beleza de um mundo sem cores para conferir no conforto do sofá.
O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ
(The Man Who Wasn't There, Joel e Ethan Coen, 2001, Prime) *
Billy Bob Thornton é Ed, um barbeiro involuntariamente emaranhado por uma vida criminosa quando um investimento escala para chantagem e assassinato. Os irmãos Coen pervertem algumas regras do cinema noir que resultam num thriller sórdido e irresistível.
SIN CITY - A CIDADE DO PECADO
(Sin City, Robert Rodriguez e Frank Miller, 2005, AppleTV+/Prime) *
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Quero receberDeterminado a adaptar a série de quadrinhos "Sin City", Robert Rodriguez recrutou seu criador, Frank Miller, e desenhou um mundo artificial de criminosos cruéis, policiais corruptos e mulheres fatais, preservando o espírito e o visual espetacular do gibi. Estruturado como antologia, "Sin City" adapta três histórias de Miller e as emoldura como um conto de fadas perverso.
A FITA BRANCA
(Das Weiße Band , Michael Haneke, 2009, Now)
Em um vilarejo alemão antes da Primeira Guerra Mundial, um pastor, um médico e um barão comandam com firmeza a vida dos aldeões. Pequenos atos de violência, contudo, despertam uma cisão entre a ordem imposta e o caos espontâneo, desenhando um emaranhado de autoridade, hierarquia e repressão que ilustra o nascimento do fascismo. Haneke dirige com frieza e elegância uma trama que hoje se mostra ainda mais urgente.
FRANCES HA
(Noah Baumbach, 2012, MUBI)
No que parece uma vida antes de "Barbie", Greta Gerwig e Noah Baumbach criaram essa comédia dramática deliciosa. Dançarina de futuro incerto, Frances (Gerwig) equilibra sua insegurança em manter um teto com sua incerteza profissional e afetiva. Ainda assim, seu otimismo inabalável — o que inclui uma viagem totalmente irresponsável a Paris — faz dela uma personagem que, mesmo em crise, reflete nossas próprias expectativas acerca da vida adulta.
NEBRASKA
(Alexander Payne, 2013, AppleTV+/Prime) *
Convencido que ganhou um prêmio de US$ 1 milhão, Woddy Grant (Bruce Dern) decide carregar sua rabugice infinita em uma caminhada de mais de mil quilômetros até a cidade onde poderia retirar a bolada. Percebendo o golpe, seu filho David (Will Forte) toma a estrada com seu pai, o que se transforma numa jornada de nostalgia, risos e lágrimas, cravando mais um conto de personagens memoráveis para o diretor Alexander Payne ("Sideways", "Os Rejeitados").
GAROTA SOMBRIA CAMINHA PELA NOITE
(A Girl Walks Home Alone at Night, Ana Lily Amorpour, 2014, MUBI)
Em sua estreia na direção, Ana Lily Amorpour abraça e subverte as "regras" do cinema de terror ao criar um híbrido de absoluta originalidade e beleza. Em uma cidade iraniana dilapidada, uma jovem vampira esbarra em um homem empilhado em problemas envolvendo seu pai viciado em heroína e os traficantes ao longo do caminho.
Inclassificável, "Garota Sombria" é um western de terror e um musical noir, um drama policial que privilegia estilo ao mesmo tempo em que lapida a substância de sua trama sobrenatural. Um achado!
ROMA
(Alfonso Cuarón, 2018, Netflix)
Neste drama que materializa fragmentos de lembranças de sua infância, o diretor Alfonso Cuarón volta à Cidade do México dos anos 1970 e encontra a felicidade das pequenas coisas. Quando um homem abandona sua casa para viver com a amante, sua esposa leva seus quatro filhos para uma viagem de férias, arrastando nessa jornada sua empregada, Cleo (Yalitza Aparicio), que está grávida. Nesse turbilhão de laços afetivos que transcendem a família, Cuarón encontra a mais pura beleza.
O FAROL
(The Lighthouse, Robert Eggers, 2019, AppleTV+/Prime) *
Após uma estreia espetacular com "A Bruxa", o diretor Robert Eggers aprofundou seu mergulho no terror psicológico ao isolar Willem Dafoe em Robert Pattinson em uma ilha, um pedaço de rocha que abriga um farol. É final do século 19, e os dois homens experimentam uma espiral irrefreável em direção à loucura quando a solidão ameaça materializar seus demônios internos. O abismo de fato olha de volta.
MANK
(David Fincher, 2020, Netflix)
Na Hollywood dos anos 1930, o roteirista Herman J. Mankiewicz, equilibrado em palavras afiadas e na sedução de uma garrafa de bebida, é retirado de seu torpor ao aceitar escrever para um jovem cineasta o que se tornaria uma das maiores obras-primas do cinema.
"Mank" não é, contudo, sobre a criação de "Cidadão Kane", e, sim, sobre a ilusão de uma cidade que diz vender sonhos e que, na verdade, esfarela almas. David Fincher não erra.
A TRAGÉDIA DE MACBETH
(The Tragedy of Macbeth, Joel Coen, 2021, AppleTV+)
Verdadeira materialização de "obra atemporal", "A Tragédia de Macbeth" traz o diretor Joel Coen, sem seu irmão Ethan, despindo a obra de Shakespeare de toda perfumaria. Saem os cenários suntuosos e os figurinos estonteantes, ficam a economia visual desconcertante e o texto, brilhante, executado em seus pontos narrativos básicos por um elenco notável liderado por Denzel Washington.
LOBISOMEM NA NOITE
(Werewolf by Night, Michael Giacchino, 2022, Disney+)
A Marvel se tornou um colosso da cultura pop com seus filmes interligados em um universo compartilhado. Ainda bem que o compositor Michael Giacchino deixou essa bagagem de lado em sua estreia como diretor. "Lobisomen na Noite" apresenta, em uma hora enxuta, o lado sombrio da marca, um conto de terror que traz o misterioso Jack Russell (Gael Garcia Bernal) reunido com outros caçadores de monstros para capturar uma criatura mítica. Logo, seu próprio segredo será revelado. Para limpar o palato!
* Disponível para aluguel
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