Kristen Stewart leva uma surra de amor no excepcional 'Love Lies Bleeding'
A certa altura de "Love Lies Bleeding", que aqui ganhou o subtítulo "O Amor Sangra", a fisioculturista Jackie liga para casa, de onde aparentemente ela partiu em termos nada amigáveis. Seu irmão caçula atende e, em uma mistura de lágrimas e fúria, ela deixa escapar uma frase: "Nunca se apaixone".
Neste mundo desenhado pela diretora Rose Glass, o amor é instrumento de danação, de conflito, uma força dedicada a estraçalhar qualquer um em seu caminho. Ainda assim, é um sentimento intenso e irresistível, que uma vez deflagrado se torna o centro gravitacional em torno do qual as figuras mais improváveis se entregam sem freios.
É assim, violento e inevitável, que o amor costura a vida de Jackie (Katy O'Brian) com a irascível Lou (Kristen Stewart). Responsável por uma academia em uma dessas cidades perdidas nos cantos esquecidos dos Estados Unidos, Lou traz consigo bagagem emocional considerável - a jovem divide segredos perigosos com o pai (Ed Harris) e carrega o fardo de defender a irmã (Jena Malone) do marido abusivo (Dave Franco).
A chegada de Jackie, nômade a caminho de uma competição de fisioculturismo em Las Vegas, é o combustível que alimenta o fogo. São duas pessoas tragadas para o abismo pelo peso de seus próprios pecados. Ainda assim, explode entre elas um sentimento vibrante e desafiador, que pode tanto livrá-las de uma vida torta como acelerar o encontro com um destino trágico.
Em seu segundo filme, depois da estreia surpreendente com "Saint Maud", de 2020, Rose Glass define seu estilo e exibe firmeza ao usar uma estrutura familiar para explorar caminhos mais profundos da condição humana. "Love Lies Bleeding" flerta com o western, segue o caminho do neo noir, vai do thriller ao terror, alternando a crueza de sua ambientação com um toque fantástico e surreal que ilustra a confusão de suas protagonistas.
Apesar de elementos potencialmente conflitantes, o filme não se desdobra sobre a trama de assassinato(s), muito menos sobre o caos familiar que aos poucos descobrimos contaminar cada atitude de Lou. Sem perder o foco, "O Amor Sangra" transborda a urgência de um amor impossível, a paixão elétrica e hipnótica que ameaça ultrapassar os limites da tela, buscando novos lugares para repousar.
Mantendo a solidez dessa estrutura está a troca generosa entre Kristen Stewart e Katy O'Brian. Em papéis que poderiam escorregar facilmente para a caricatura, as duas atrizes constroem personagens intensas que não hesitam em gritar sua fragilidade. Essa entrega é traduzida em uma intimidade tão potente que quase nos sentimos envergonhados em ser observadores tão intrusivos.
A essa altura nem faz sentido pensar em Kristen como "a garota de 'Crepúsculo'", tamanha a dimensão que sua carreira tomou depois da saga que a apresentou ao mundo. Ela é uma atriz de gestos sutis, que empresta a suas personagens um certo desequilíbrio, invariavelmente contornado por uma insuspeita demonstração de força.
Katy O'Brian surge como sua antítese, uma mulher que forjou o corpo como um colosso de músculos, um encouraçado que protege um interior esfacelado. Ela encontra em Kristen a parceira perfeita para revelar seus predicados dramáticos, até então em segundo plano em produções como "Quantumania" e "The Mandalorian". Katy prova aqui ser uma força a ser reconhecida.
Existe em "Love Lies Bleeding" ecos de grandes romances trágicos, de "O Destino Bate à Sua Porta" a "Paixões Violentas". Histórias de amor que não deveriam acontecer, e que invariavelmente cobram um preço alto de seus protagonistas, geralmente deixando um rastro de vingança e violência em sua consumação. Gente quebrada para quem o amor não é uma escolha, mas a única via.
Rose Glass entende que está no ombro de gigantes, e trata de injetar sua personalidade à história ao alternar senso de humor perverso com petardos de ultraviolência, culminando em momentos de puro delírio. "Love Lies Bleeding" indica que o cinema ganhou uma contadora de histórias com pulso, disposta a explorar lugares incômodos e irresistíveis. Nunca se apaixone? Ah, não tem como!
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