Roberto Sadovski

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'Divertida Mente 2' recalibra as emoções em aventura saborosa e sofisticada

"Divertida Mente 2" tem cena pós-créditos! Cá entre nós, é um alerta inócuo, já que não imagino a turma com pressa de deixar o cinema quando a sessão terminar. É o tempo para respirar, enxugar as lágrimas e pensar como é bom ver a Pixar voltar a fazer o que sempre fez melhor: cinema que estimula o cérebro e toca o coração. Quando o público percebe, os créditos subiram e lá está o epílogo bacana.

Já não era sem tempo. A Pixar, sinônimo de qualidade absoluta desde que "Toy Story" revolucionou o cinema em 1995, andava numa fase complicada —parte por conta de péssimo gerenciamento da marca ao longo da pandemia, parte pela estagnação dos filmes.

Não que sua qualidade fosse ruim —ok, "Lightyear" é um pequeno desastre—, mas por eles deixarem de fazer parte das rodas de conversa. Deixaram de fazer a diferença.

O cenário era outro quando o estúdio produziu "Divertida Mente" em 2015. Com um conceito absolutamente original —acompanhamos as aventuras das emoções que influenciam as ações de uma garotinha—, o diretor Pete Docter mostrou habilidade e delicadeza em uma história extremamente sofisticada, sem nunca perder a atenção de seu público-alvo. Impossível não prestar atenção.

Ansiedade assume o controle em 'Divertida Mente 2'
Ansiedade assume o controle em 'Divertida Mente 2' Imagem: Disney/Pixar

Pois cá estamos, quase uma década depois, testemunhando o raio novamente capturado na garrafa. "Divertida Mente 2" continua a história por um caminho que, mesmo sendo uma progressão lógica, ainda consegue surpreender.

Os riscos, claro, são maiores: em vez de encarar os dilemas da infância, a trama agora segue os desafios tortuosos da puberdade. A explosão hormonal traz, além de espinhas no rosto, novas emoções para bagunçar o coreto.

Tudo dispara quando Riley completa 13 anos. Ela é uma jovem adorável, com o coração no lugar, vencendo as etapas do crescimento ao lado de seus pais e amigos. Mas a possibilidade de fazer novas amizades e entrar numa equipe de hóquei com alunas mais velhas, o que será decidido num fim de semana em uma colônia de treinamento, bagunça as emoções da garota.

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O time habitual —Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho— se vira para gerenciar o turbilhão de novas sensações. Quando toca o alarme da puberdade, porém, entram em cena as novas emoções.

Se Inveja, Vergonha e Tédio acrescentam novas camadas a Riley, é Ansiedade quem de fato muda o jogo: na tentativa de "ajudar" a garota nesse fim de semana decisivo, ela remove a turma original de cena e assume o controle. Uma adolescente ansiosa, bem sabemos, pode colocar tudo a perder.

Riley celebra com as amigas em 'Divertida Mente 2'
Riley celebra com as amigas em 'Divertida Mente 2' Imagem: Disney/Pixar

Tal qual seu antecessor, "Divertida Mente 2" é um pequeno milagre. Embora lide com uma estrutura narrativa complexa, materializando conceitos abstratos que teoricamente influenciam a todos nós, o filme é executado de forma lúdica e bem-humorada.

O segredo é nunca perder o foco em seu tema: não importa como lidamos com nossas emoções, boas ou ruins, as ações que tomamos por conta delas desenham a experiência que nos fazem humanos.

Sob esse prisma, o trabalho do diretor Kelsey Mann, aqui estreando em um longa-metragem, ganha ainda mais densidade. Ele materializa essas experiências como uma história de ação, criando uma jornada semelhante à do filme anterior, ainda que traga mais camadas para representar a maturidade de Riley.

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Sua habilidade em revisitar e ressignificar as emoções da menina, reaprendendo a usar sentimentos diferentes em novas situações, é impressionante.

Se existe um impulso em rotular a Ansiedade como vilã, o filme aos poucos reconfigura nossas próprias expectativas. A Tristeza, por exemplo, tem papel fundamental nessa nova fase, uma ousadia que faz todo sentido em um mecanismo emocional complexo.

São camadas que, em retrospecto, trazem um sentimento de familiaridade: picos de alegria e tristeza, a entrega a um sentimento que atropela todos os outros, é parte de nossa vida, seja adulto ou criança. Ver essa engrenagem em um produto hollywoodiano é fascinante.

Tristeza e Alegria vão fundo na mente de Riley
Tristeza e Alegria vão fundo na mente de Riley Imagem: Disney/Pixar

Vale lembrar que muitos torcem o nariz quando o estúdio aposta em continuações de suas propriedades intelectuais mais populares, em detrimento de uma trama original. Bobagem. "Divertida Mente 2" mostra que o problema não é reciclar personagens e situações, e sim investir num roteiro ruim.

A Disney vai, sim, comercializar suas marcas à exaustão. É ingenuidade não enxergar a empreitada como produto corporativo. Mas isso é irrelevante quando o filme, de tão brilhante, transcende essa discussão.

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O timing do lançamento de "Divertida Mente 2", de tão perfeito, parece bolado em reunião de marketing: ele chega no momento em que a Geração Z, hiperestimulada em um mundo em constante aceleração, reescreve seu vocabulário emocional.

Em uma época regida pela ansiedade, a fábula de uma adolescente em busca de controlar seus impulsos pode ecoar de forma ainda mais contundente. É a Pixar em seu melhor: estimulando o cérebro e, claro, tocando o coração.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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