Roberto Sadovski

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Opinião

Jodie Comer brilha forte no intenso (e imperfeito) 'Clube dos Vândalos'

Nos anos 1960, quando a derrota na Guerra do Vietnã esfacelava o espírito da sociedade americana e evidenciava a falência do "sistema", jovens tomaram as estradas buscando uma sensação de liberdade em motocicletas potentes, numa tentativa de resgatar a identidade de um país quebrado.

Se engana, contudo, quem imagina que "Clube dos Vândalos" seria, de alguma forma, uma celebração desse momento. O filme de Jeff Nichols ("O Abrigo", "Amor Bandido") é um recorte intenso, ainda que imperfeito, que dispensa o romantismo para mostrar como a disputa pelo poder, inevitável em qualquer estrutura organizada, é capaz de distorcer e encardir algo orgânico e belo.

O ponto de partida é "The Bikeriders", livro lançado por Danny Lyon em 1968, no qual ele retrata com fotografias e entrevistas a rotina de um clube de motociclistas no Estado de Illinois. Em vez de uma adaptação factual, Nichols optou por dramatizar pessoas e eventos impressos no livro, preocupando-se menos com uma reflexão sobre essa subcultura e mais com as pessoas que a experimentaram.

Jodie Comer e Austin Butler em 'Clube dos Vândalos'
Jodie Comer e Austin Butler em 'Clube dos Vândalos' Imagem: Universal

Os Outlaws, nome da gangue da vida real, foram rebatizados como Vândalos. Fundado em Chicago pelo caminhoneiro Johnny (Tom Hardy), inicialmente como válvula de escape de sua rotina sufocante, o clube se expandiu como família postiça para um grupo crescente de párias e degenerados que também perderam o rumo de sua própria história —entre eles o enigmático Benny (Austin Butler).

O foco narrativo, entretanto, vem de uma forasteira, Kathy (Jodie Comer), que se envolve com os Vândalos num misto de medo e fascínio, mas que sela seu destino no momento em que pousa seu olhar em Benny. Ela conta sua história com o grupo para Danny (Mike Faist, aqui um avatar do próprio Danny Lyon), que fez parte do grupo por um breve período e registra, ao longo de uma década e sob o ponto de vista de Kathy, sua metamorfose de unidade familiar em organização criminosa.

Esse distanciamento impede que "Clube dos Vândalos" se aprofunde na estrutura da organização ou em suas ramificações políticas e sociais —que não foram poucas, especialmente com sua expansão em "filiais" por todo o país. Em vez disso, o filme se mantém propositalmente na superfície, optando pela narrativa linear, eu diria até conservadora, de um estilo de vida em constante ebulição.

Austin Butler e Tom Hardy em 'Clube dos Vândalos'
Austin Butler e Tom Hardy em 'Clube dos Vândalos' Imagem: Universal
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Essa superfície, entretanto, transborda vitalidade. Cada momento em "Clube dos Vândalos" é tão vibrante quanto melancólico. Sua intensidade é emparelhada pela performance poderosa de um elenco elétrico, de Michael Shannon a Boyd Holbrook a Norman Reedus, que lhe empresta autenticidade e crueza. Tom Hardy é quem melhor retrata a espiral descendente do clube, uma figura paterna incapaz de frear a escalada para a violência que descarrila seu senso de comunidade.

A presença mais fulgurante em "Clube dos Vândalos", contudo, é mesmo Jodie Comer. Uma das atrizes mais versáteis de sua geração, oscilando com facilidade da comédia fantástica ("Free Guy") ao drama de época ("O Último Duelo"), ela surge como uma personagem disruptiva, que vivencia os dramas e as transformações da gangue sem nunca de fato fazer parte dela. Sua dedicação a Benny humaniza uma trama que poderia escorregar facilmente para a caricatura.

Esse alerta é, por sinal, endereçado a Austin Butler. Não há a menor dúvida que o ator de "Elvis" e "Duna Parte 2" é um astro completo, o tipo de artista que não apenas é assombrosamente talentoso, mas que se sobressai com sua presença magnética. O papel do bad boy lacônico, entretanto, é limitador a longo prazo, e não faria mal a Butler emprestar um pouco da sagacidade de Tom Hardy e investir em uma comédia romântica ou, vá lá, em um filme da Marvel. Em "Clube dos Vândalos", felizmente, ele está em casa.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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