Roberto Sadovski

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Opinião

Como 'Nosferatu' pode devolver prestígio aos vampiros no cinema

Em 2009, a lendária Lauren Bacall foi arrastada pela neta ao cinema para assistir a "Crepúsculo". Não deu muito certo. "Quando o 'filme' terminou, eu queria dar com o sapato em sua cabeça", disse a atriz na época. "Em vez disso eu lhe dei um DVD de 'Nosferatu', a obra-prima feita por Murnau em 1922." Ainda arrematou: "Isso sim é um filme de vampiros!".

Infelizmente, a estrela de "Uma Aventura na Martinica" e "À Beira do Abismo" nos deixou em 2014 aos 89 anos, uma década antes de seu presente para a neta ganhar uma nova versão. "Nosferatu" traz um elenco de peso e a assinatura de um dos cineastas mais interessantes em atividade: Robert Eggers. A missão do diretor de "A Bruxa" e "O Homem do Norte" é, entre outras, fazer com que o mundo esqueça que vampiros pop, até recentemente, brilhavam sob a luz do Sol.

A estreia agendada para o Natal não é ao acaso. "Nosferatu" chega aos cinemas em plena temporada de premiações, quando as produções que miram o Oscar mostram suas presas. Além do elenco, ilustrado por Willem Dafoe, Lily-Rose Depp, Aaron Taylor-Johnson, Nicholas Hoult e Bill Skarsgård como o personagem-título, a produção busca o delicado equilíbrio entre o filme de terror popular e a obra sofisticada que encanta seus pares.

Lily-Rose Depp em 'Nosferatu'
Lily-Rose Depp em 'Nosferatu' Imagem: Universal

"É um terror gótico realmente assustador como há muito não vemos no cinema", disse Eggers à revista "Empire". "Mas nossa abordagem é diferente, remete ao folclore, tentamos materializar como seria um nobre da Transilvânia depois de morto." Sua arma secreta, contudo, é Bill Skarsgård: "Ele se transformou, e eu temo que ele não receba o crédito que merece porque ele simplesmente desaparece no papel".

Longe de atualizar a trama, Eggers plantou seu vampiro em uma ambientação de época, alinhado com o clássico de F.W. Murnau. Essa versão, lançada em 1922, adaptou "Drácula", o livro de Bram Stoker, sem nenhuma autorização para tal. Alterar nomes de personagens e algumas sequências não foram o bastante para impedir que a viúva do escritor tomasse ações legais.

O tempo, contudo, consagrou "Nosferatu - Uma Sinfonia de Horror" como uma das obras fundamentais do cinema, uma pérola estética e narrativa do expressionismo alemão, que informou as gerações subsequentes sobre como lapidar um vampiro em celuloide. Longe do romantismo geralmente associado à figura de Drácula, o rebatizado Conde Orlok não é um nobre enigmático, e sim uma criatura de pesadelos.

Nicholas Hoult vislumbra Bill Skarsgård em 'Nosferatu'
Nicholas Hoult vislumbra Bill Skarsgård em 'Nosferatu' Imagem: Universal

Embora tenha importância e influência inegáveis, o filme de Murnau foi reinterpretado uma única vez. Em 1979, o cineasta Werner Herzog criou "Nosferatu: O Vampiro da Noite", com seu colaborador Klaus Kinski no papel de Orlok. A estética expressionista deu lugar à influência da produtora Hammer, com a crueza e o naturalismo que se posicionam como a antítese do verniz Hollywoodiano.

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Em mais de um século de vampiros no cinema, poucas vezes as criaturas da noite ganharam o prestígio sugerido por "Nosferatu". Bela Lugosi e Christopher Lee criaram versões emblemáticas, cujo reconhecimento veio com o tempo. Na cultura pop moderna, "Drácula de Bram Stoker", que Francis Ford Coppola fez em 1992, conseguiu o raro feito de criar uma obra popular que também foi percebida como arte.

O sucesso de "Drácula" foi fundamental para que Neil Jordan desse tratamento igualmente sofisticado a "Entrevista com o Vampiro", de 1994, em que Tom Cruise e Brad Pitt ilustram o clássico moderno de Anne Rice. O filme de Coppola, só para ficar na régua mais evidente, teve quatro indicações ao Oscar, garfando três estatuetas. Já a fantasia gótica de Jordan teve duas indicações. Depois disso, festivais e premiações deram de ombros aos desmortos cinematográficos.

O diretor Robert Eggers no set de 'Nosferatu'
O diretor Robert Eggers no set de 'Nosferatu' Imagem: Universal

Não que vampiros tenham abandonado o cinema - muitíssimo pelo contrário. Eles estão no vocabulário de cineastas como Guillermo Del Toro ("Cronos"), John Carpenter ("Vampiros"), Tomas Alfredson ("Deixa Ela Entrar"), Jim Jarmusch ("Amantes Eternos") e Taika Waititi ("O Que Fazemos Nas Sombras").

As criaturas da noite podem vir de HQs ("Blade", "30 Dias de Noite", "Morbius"), são reinventados em filmes de ação ("Van Helsing", "Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros") e comédia ("Renfield", "O Conde"). Ganham série bem sucedidas ("Um Drink no Inferno", "Anjos da Noite"), e tentam constantemente recuperar a relevância perdida ("Drácula: A História Nunca Contada", "A Última Viagem do Démeter").

Vampiros, portanto, não são e nunca serão novidade. O que Robert Eggers busca com "Nosferatu", entretanto, é alinhar mais uma vez o pesadelo que assombra as plateias com sua sensibilidade artística. Em sua ainda curta carreira, ele o fez de forma absolutamente notável. Com a imensa vantagem, em sua incursão pelo mundo das criaturas da noite, de não ter nenhum vampiro brilhando sob a luz do Sol.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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