'Entrevista com o Demônio' é bom terror com ideia original e poucos sustos
Na noite do Halloween em 1977, o apresentador de um programa de variedades, na corda bamba por conta da audiência que não decola, aposta tudo em uma ideia inusitada. Entre convidados temáticos, como um médium semipicareta e um ilusionista que abraçou o ceticismo, ele vai conversar, ao vivo, com uma jovem possuída por um espírito maligno.
"Entrevista com o Demônio" é o relato do que aconteceu nessa noite. Montado como um documentário, que mistura o registro do programa ao vivo com imagens de bastidores, o filme dos irmãos Colin e Cameron Cairnes usa criatividade e improviso para driblar a óbvia falta de recursos. O orçamento minguado, contudo, é parte do charme.
Historicamente, o cinema de terror nunca dependeu de grandes investimentos para cravar seu lugar na história. Alguns dos maiores expoentes do gênero, de "A Noite dos Mortos Vivos" a "O Massacre da Serra Elétrica", foram feitos em total esquema de guerrilha e até hoje servem de inspiração a cineastas em começo de carreira.
Roger Corman construiu um império ao pregar pela economia de recursos. "Halloween" criou a ilusão de tomadas caras e alto valor de produção por conta da criatividade de John Carpenter. Sam Raimi rodou "The Evil Dead" aos finais de semana com os amigos da faculdade. "A Bruxa de Blair" e "Atividade Paranormal" apostaram na combinação "ideia na cabeça e câmara na mão" e se deram bem.
"Entrevista com o Demônio", por sua vez, enfatiza a tal "ideia na cabeça". Os irmãos Cairnes reproduzem com precisão a atmosfera dos programas de entrevista das décadas de 1970 e 1980, em que a exibição ao vivo por vezes deixava escapulir alguma bizarrice que abria a janela para um mundo adulto e caótico, mesmo que confinado na telinha da TV. Combinar essa clima com uma história de possessão demoníaca, que na época "O Exorcista" colocou sob o holofote, foi o passo natural.
Á frente da empreitada, David Dastmalchian interpreta o apresentador Jack Delroy com uma mistura de entusiasmo e pânico. Revelado em "Batman - O Cavaleiro das Trevas", o ator confere ao personagem uma miríade de intenções sombrias. É um deleite acompanhar sua oscilação entre crença e ceticismo, tentando manter a linha ante a escalada de pavor que permeia o programa fatídico.
Embora os diretores executem à perfeição um clima autêntico e decadente, o filme é surpreendentemente carente de sustos. Tudo bem que uma adolescente possuída não seja novidade desde que Linda Blair vomitou uma gosma verde em Jason Miller, mas falta a "Entrevista com o Demônio" aquele momento catártico que escala sua premissa a outro nível. Alguns sustos são ok, mas nada que comprometa o sono.
É um revés que acompanha muitas produções modernas de terror, de "Noites Brutais" a "Sorria", passando pelo argentino "O Mal Que Nos Habita". São filmes que decolam de forma fantástica, ancorados a uma premissa inusitada e original, mas que têm dificuldade em aterrissar sem turbulência. É como se o fôlego criativo evaporasse numa reta final que não foge do lugar comum.
"Entrevista com o Demônio", felizmente, nunca se rende a uma conclusão vulgar. Ela só é tímida demais para um projeto que, até então, abraça de forma tão vibrante o espírito de guerrilha que é parte do DNA do gênero. Ainda assim, existe investimento criativo claro e muito talento na carpintaria para não comprometer a experiência. A roda, às vezes, só precisa girar.
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