Roberto Sadovski

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Opinião

Programão, 'Twisters' é filme-catástrofe grandioso, divertido e descartável

Nada como o tempo para recuperar termos em desuso. Um de meus favoritos é "filme-evento", que Hollywood tacava sempre que tentava vender um conceito, um acontecimento, uma experiência somente possível no cinema. Os anos, e a profusão de marcas se estapeando pela atenção do público, vulgarizaram a coisa: se tudo é um evento, então nada mais é um evento.

Vez por outra, uma exceção chega para esfarelar a regra vigente. É com alegria que digo, portanto, que "Twisters" é um filme-evento de altíssimo gabarito! Espetáculo de efeitos especiais temperado com uma pitada de drama humano, ele existe para ser assimilado, saboreado e descartado. Entretenimento puro, com um leve subtexto social, decente quando a turma fica no blá-blá-blá e eletrizante quando a coisa pega fogo. Uma beleza!

Nesse ponto, vale esclarecer que "Twisters" não é continuação de "Twister" por um motivo simples: é exatamente o mesmo filme. Espelhando o sucesso lançado em 1996, a nova aventura traz duas equipes - uma com gente bacana, outra com uma turma xarope - caçando tornados no coração dos Estados Unidos. O objetivo, além da adição da especulação imobiliária em cima do rastro de destruição, é estudar os tornados para salvar vidas.

Daisy Edgar-Jones, Anthony Ramos e Glen Powell encaram a fúria da natureza em 'Twisters'
Daisy Edgar-Jones, Anthony Ramos e Glen Powell encaram a fúria da natureza em 'Twisters' Imagem: Warner/Universal

Assim como antes, a trama é ancorada por uma pesquisadora mais séria (Daisy Edgar-Jones) marcada por uma tragédia, um caubói que age mais por instinto (ele, Glen Powell!) e um time de tipos excêntricos interpretados por atores bacanas como Anthony Ramos, David Corenswet e Katy O'Brian. Existe até um personagem que não é "do ramo" fazendo as perguntas que o público faria - e ouvindo como resposta termos do tipo "tesoura de vento" e "vórtices múltiplos". Google!

O barato de filmes como "Twisters" não é o estofo, e sim o pacote. O texto injeta o mínimo de humanidade para que os personagens sejam vistos como pessoas e não como autômatos (embora eu desafie qualquer um a lembrar o nome de um deles), mas o investimento no ingresso vale quando "Twisters" finca suas presas no espetáculo de caos e destruição que só o cinema consegue oferecer.

De combates de super-heróis a invasões alienígenas, o cinema-catástrofe não deu trégua desde, ora bolas, "Twister". Mas existe algo assustador quando toda essa devastação é causada pela natureza, quando forças primordiais mostram o quanto somos frágeis e descartáveis. Ante ventos que podem chegar a 500 km/h, arremessando coadjuvantes e cenários digitais para o vazio, contemplamos de verdade nossa pequenez.

Dausy Edgar-Jones e Glen Powell com o diretor Lee Isaac Chung nas filmagens de 'Twisters'
Dausy Edgar-Jones e Glen Powell com o diretor Lee Isaac Chung nas filmagens de 'Twisters' Imagem: Warner/Universal
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Nesse quesito, "Twisters" não economiza. Temos tornados gêmeos dando petelecos em caminhões, colossos devastando cidades inteiras e até um túnel de vento dizimando uma refinaria, criando pilares de fogo gigantescos em seu rastro - palmas para os gênios que construíram uma refinaria bem no meio do corredor de tornados nos Estados Unidos. Ah, um cinema também vira pó, mas em vez de "O Iluminado", exibido num drive-in no filme de 1996, a sessão interrompida aqui é a do clássico "Frankenstein". Vai entender.

Não mexer em time vencedor é uma ótima estratégia - só perguntar a J.J. Abrams e seu "Star Wars: O Despertar da Força". Reclamar de uma suposta falta de originalidade e verossimilhança em "Twisters" é fechar os olhos para a beleza de um produto bem executado e embalado, dosado com astros, espetáculo, ação, emoção e - o principal - que não ofende o freguês.

A única surpresa em "Twisters" encontra-se atrás das câmeras. O filme é assinado por Lee Isaac Chung, que saiu do drama super delicado e transbordando humanidade "Minari", de 2020, fez um pit stop na série "The Mandalorian" e saltou para um produto hollywoodiano por excelência. O diretor é a maior evidência de que dividir o cinema em "de arte" e "comercial" é uma tremenda bobagem. De quebra, Chung prova, com "Twisters", que é possível estocar e - quem sabe - lucrar com o vento.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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