Roberto Sadovski

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Opinião

Mia Goth se torna uma estrela completa em 'Maxxxine' (já o filme é só ok)

Logo na primeira cena de "MaXXXine", conclusão da "Trilogia X" do diretor Ti West, a estrela de filmes adultos Maxine Minx, trabalhando na Hollywood dos anos 1980, faz um teste para ser protagonista de um filme de terror. Em poucos minutos, ela declama um monólogo intenso, com densidade e nuance, para em seguida mudar sua expressão e voltar a ser ela mesma. O papel é dela.

Nossos olhos enxergam Maxine, a personagem,. Quem reverbera em nosso inconsciente, porém, é Mia Goth. Aos 30 anos, e com uma carreira curta porém marcante, a atriz encontrou em Ti West um diretor que soube canalizar sua estranheza fascinante. "X - A Marca da Morte" foi um aperitivo estiloso para o furacão "Pearl", no qual Mia expressa ingenuidade e fúria homicida no mesmo olhar.

"MaXXXine seria sua consagração e o trabalho que faria, de fato, o mundo todo conhecer seu nome. No meio do processo, contudo, West perdeu a mão. Com orçamento mais polpudo e uma coleção de astros no elenco, ele criou uma alegoria perfeita para a Hollywood permissiva e perigosa dos anos 1980, dos letreiros em neon à trilha synthpop. Faltou, contudo, a argamassa para sustentar a estrutura.

Mia Goth em 'MaXXXine'
Mia Goth em 'MaXXXine' Imagem: Universal

Depois dos eventos de "X", em que seus amigos rodando uma fita pornô foram mortos por um casal de idosos homicidas, Maxine se estabeleceu em Los Angeles mantendo seu passado em segredo. Justamente quando ela consegue dar o salto para um "filme de verdade", chega em suas mãos uma fita VHS com evidências de sua mão na morte dos velhinhos sádicos.

Ao mesmo tempo em que dribla o chantagista, que se faz presente nas mãos do detetive sórdido interpretado por Kevin Bacon, Maxine vê pessoas próximas assassinadas por um serial killer que há meses assombra a cidade. Sem confiar nos policiais que investigam o caso (Michelle Monaghan e Bobby Cannavale), e emparedada pela diretora de seu filme (Elizabeth Debick), a jovem não tem escolha a não ser resolver suas pendências com o passado.

Não existe nada intrinsicamente errado com "MaXXXine". Ti West costura uma trama decente e tem bons instintos para dosar o suspense e a podreira. Ainda assim, o filme é surpreendentemente prosaico. Nada em sua construção cinematográfica é marcante. Não há uma tomada de destaque, não há nada que salte aos olhos. Sem falar no terceiro ato desastroso, quando a trama do serial killer é resolvida de forma canhestra.

'MaXXXine' traz os excessos da Hollywood dos anos 1980
'MaXXXine' traz os excessos da Hollywood dos anos 1980 Imagem: Universal
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Se "MaXXXine" serve a algum propósito, se existe algum elemento que o faça transcender suas próprias limitações, é mesmo Mia Goth. Ela emana naturalmente o que atrizes mais tarimbadas penam para conseguir, aquele je ne sais quoi que separa uma artista de uma estrela. Não é um atributo só de talento (que ela tem de sobra) ou de personalidade (que também não lhe falta): é a combinação que justifica seu nome no topo do cartaz.

Historicamente, o cinema de terror é a porta de entrada para voos mais altos em Hollywood. "MaXXXine" é tão autoconsciente que West adicionou uma linha de diálogo para lembrar o começo de bambambãs como Jamie Lee Curtis e John Travolta nos lábios de Maxine. A cena expõe a engrenagem da metalinguagem, e é impossível não lamentar que o filme seja incapaz de abraçar suas próprias ambições. Ele se torna pequeno para a estrela de primeira grandeza que Mia Goth já é.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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