Roberto Sadovski

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Opinião

Com Robert Downey Jr de volta, Marvel mostra que o plano é não ter um plano

Robert Downey Jr. está de volta à Marvel. Mas não como o Homem de Ferro, herói que se sacrificou para salvar o universo ao fim de "Vingadores: Ultimato". Seu novo papel será o Doutor Destino, principal vilão da nova fase do estúdio, nos próximos filmes da equipe, que também recuperam os irmãos Joe e Anthony Russo na direção.

No mesmo fim de semana em que a Marvel crava mais recordes e ultrapassa os US$ 30 bilhões nas bilheterias, graças à estreia arrasadora de "Deadpool & Wolverine", o anúncio do retorno de seu maior astro causou estranheza. Ao mesmo tempo em que a decisão parece lógica do ponto de vista financeiro, ela também soa como uma ação desesperada para recuperar sua relevância como colosso pop.

Se existe uma verdade, ela se encontra em algum ponto no meio do caminho. O lançamento de "Ultimato" em 2019 consolidou o sucesso do universo compartilhado da Marvel. O estúdio calibrava os motores para uma nova saga quando o mundo foi golpeado com a pandemia de Covid. Todos os planos mudaram e surgiram as primeiras fissuras na armadura da marca.

A avalanche de novos produtos roubou o verniz de novidade que acompanhava os lançamentos Marvel. Entre filmes e séries na plataforma Disney+, o estúdio desovou 22 novas produções em três anos. Mesmo cravando sucessos inquestionáveis - "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura", "Pantera Negra: Wakanda Para Sempre", "Guardiões da Galáxia Vol. 3" -, os super-heróis pareciam criativamente inertes.

A situação complicou quando o ator Jonathan Majors, intérprete do vilão Kang (de "Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania") e supostamente a âncora da Saga do Multiverso, planejada para expandir ainda mais os horizontes da marca, foi condenado no final do ano passado por agressão e violência doméstica. A Marvel encerrou o contrato com o ator, e o personagem aparentemente foi deixado de lado. O quarto filme dos Vingadores, anunciado como "A Dinastia Kang", ficou no limbo.

A cultura pop conta com a percepção popular como um de seus alicerces, e embora o estúdio não experimentasse revés financeiro severo, apesar das bilheterias decepcionantes de "Quantumania" e também de "As Marvels", a confiança do fã ficou estremecida. A turbulência nos bastidores, causada por uma dança de cadeiras de cineastas em projetos na linha de montagem, e a ineficiência em emplacar um produto que furasse a bolha, poderia indicar o começo do fim desse universo. Medidas drásticas, portanto, precisavam ser tomadas.

Foi com surpresa, entretanto, que o público presente fim de semana passado na Comic-Con de San Diego, evento pop mais importante do planeta, viu Downey tomar o palco, anunciando sua volta à Marvel. Não como Tony Stark, e sim como Victor Von Doom, o Doutor Destino, centro da nova saga a ser concluída em dois filmes dirigidos pelos irmãos Russo: "Avengers: Doomsday", agendado para maio de 2026, e "Avengers: Secret Wars", que chega aos cinemas um ano depois.

É compreensível que, nesse momento de incerteza, a Marvel tenha apostado no certo em vez de se aventurar pelo duvidoso. Mas apelar para os cineastas que lhes deram seus maiores sucessos - a dobradinha "Guerra Infinita" e "Ultimato" - e para seu ator mais carismático, é sinal claro de controle de danos. No caso dos Russo, que não emplacaram nenhum projeto digno de nota pós-Marvel, é também uma forma de se manter no jogo. Hollywood, sabemos, é cruel.

Downey, por sua vez, não está com boletos atrasados. Pelo contrário, está no melhor momento de sua carreira, especialmente depois de receber este ano o Oscar de melhor ator coadjuvante por "Oppenheimer". Ainda assim, ele reiterou em diversas entrevistas seu carinho pela Marvel e seu entusiasmo em retornar à casa que fez dele um astro. Se Hugh Jackman reassumiu o papel de Wolverine, mesmo depois da morte do personagem em "Logan", o que impediria alguma alquimia fantástica em trazer Tony Stark de volta?

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A pegadinha é que Stark não está na equação, e sim Von Doom. Sejamos francos, o estúdio nunca teve pudor em escalar o mesmo ator para fazer papéis diferentes - como Gemma Chan e Michelle Yeoh podem atestar. Downey, contudo, está em outro patamar, e é preciso uma engrenagem impecável para fazer com que o público não enxergue nele um "Tony Stark do mal", e sim um personagem inédito. Nesse caso, diria que não existe artimanha que faça essa mágica acontecer.

A essa altura, claro, tudo acerca dessa versão do Doutor Destino é especulação. Seria ele uma variante maligna de Tony Stark? Seria de fato uma versão fiel dos gibis, com Von Doom como monarca de um reino do Leste Europeu, que mistura feitiçaria e alta tecnologia? Seria algo no meio? "Nova máscara, mesmo trabalho", disse Downey, enigmático sobre seu papel revigorado na Marvel. Perguntas, perguntas.

O fato é que a jogada ganhou fôlego para a Marvel voltar ao centro da bolha pop. Nos próximos anos, os fãs devem se divertir em busca de pistas que possam indicar o rumo nessa nova fase. Não acredito que "Capitão América: Admirável Mundo Novo" (que estreia em fevereiro), ou "Thunderbolts*" (agendado para maio) tragam respostas, até por se tratar de duas aventuras mais, digamos, urbanas.

A coisa muda de figura com "Quarteto Fantástico: Primeiros Passos", que estreia em julho e de fato sugere algo novo para a Marvel no cinema. A adaptação dos primeiros super-heróis da editora, agora dentro de seu universo cinematográfico, será uma fantasia retrofuturista ambientada nos anos 1960 de outra realidade - imagine o mundo da animação "Os Jetsons" materializado com o tempero Marvel.

O filme, com direção de Matt Shakman ("WandaVision"), traz Pedro Pascal, Vanessa Kirby, Joseph Quinn e Ebon Moss-Bacharach como a família de aventureiros que ganha superpoderes após ser banhada por raios cósmicos. O "vilão" é a entidade espacial Galactus (papel de Ralph Ineson), mas não descarto a inclusão de Victor Von Doom, historicamente o principal antagonista do Quarteto, para impulsionar a trama do multiverso.

É possível que a volta de Robert Downey Jr. reacenda a fagulha que a Marvel perdeu depois de "Vingadores: Ultimato". A política do "dê aos fãs o que eles pedem", no entanto, não se aplica aqui. Pelo contrário, é uma jogada que pode bagunçar ainda mais o tabuleiro, confundindo o público que não acompanha os desdobramentos dos bastidores.

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O problema se resume à falta de planejamento, já que a inclusão do Doutor Destino é um remendo a um plano que foi interrompido pelo mundo real. O público que aprendeu a acompanhar a Marvel desde 2008 com "Homem de Ferro" gosta de consistência. A tarefa nos ombros de Downey é, portanto, reinventar sua própria personalidade: "Gosto de personagens complicados", disse. Pode funcionar. Mas pavimentar o futuro olhando para o passado não me parece o caminho mais sensato.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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