Roberto Sadovski

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Opinião

O fantástico 'Tuesday - O Último Abraço' é reflexão delicada sobre a morte

Não é fácil falar sobre a morte. Buscar uma reflexão sobre a tragédia de quem parte e a dor de quem fica requer uma abordagem que não seja leviana. Esse equilíbrio é alcançado pelo delicado e excêntrico "Tuesday - O Último Abraço" ao lidar com o tema pelo prisma da fantasia.

Embora lide com dilemas universais, a diretora e roteirista Daina Oniunas-Pusic cria um recorte intimista. Ela concentra a trama em Tuesday (Lola Petticrew), adolescente que enfrenta uma enfermidade terminal, e sua mãe Zora (Julia Louis-Dreyfus), que passa os dias longe de casa, claramente incapaz de lidar com o destino da filha.

O silêncio de mãe e filha, reforçado por um véu equivocado de normalidade, é estraçalhado quando Tuesday recebe a visita da Morte, materializada como uma arara imponente que fala com voz grave e solene (cortesia do ator nigeriano Arinzé Kene). Antes de ser levada, porém, a jovem inicia uma conversa com a criatura, que lhe concede assim a brevidade de mais tempo.

As consequências de distrair a Morte de seu trabalho incessante e necessário são agravadas quando Zora é apresentada à situação. Em uma demonstração insuspeita de instinto materno, ela toma uma atitude que estremece não só sua relação com Tuesday, como reverbera de forma inesperada em todo o mundo.

Lola Petticrew e Julia Louis-Dreyfuss em 'Tuesday - O Último Abraço'
Lola Petticrew e Julia Louis-Dreyfuss em 'Tuesday - O Último Abraço' Imagem: Paris

É nas entrelinhas desse cenário fantástico que Pusic desenvolve uma discussão sóbria acerca da sombra da morte e da cacofonia de emoções que orbitam sua chegada. "Tuesday" passa pela negação ao desespero, pela barganha à aceitação, com a fantasia colorindo questionamentos reais de forma muito bonita e delicada. O resultado lembra o desconforto agridoce de filmes como "Sete Minutos Depois da Meia-Noite" e "Sombras da Vida".

A enorme ambição de "Tuesday" esbarra na inabilidade de Daina O. Pusic em manter um tom consistente —a trama intimista é por vezes atropelada pelo flerte com um escopo que o filme simplesmente não alcança. É um tropeço menor que a cineasta mostra estar mais do que qualificada a superar.

Qualquer atropelo, vale ressaltar, é compensado pelo trabalho superlativo de seu elenco. Se Lola Petticrew é um achado, é Julia Louis-Dreyfus quem apresenta uma performance arrebatadora, ancorada em uma composição multifacetada que vai do humor cáustico trazido pelos momentos mais extravagantes à dor profunda causada pelo pesar e a incerteza do amanhã.

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A atriz, premiada fartamente por seu trabalho em séries de humor afiado como "Seinfeld" e "Veep", transforma a honestidade inerente a todo bom humorista em uma interpretação excepcional em sua crueza e complexidade. Ela explora o amor como um sentimento que machuca tanto quanto acalenta, que é tão belo quanto aterrorizante. Se acreditamos na fantasia de "Tuesday" é porque Julia Louis-Dreyfus a torna real.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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