Roberto Sadovski

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Opinião

'A Casa do Dragão' empaca e termina segunda temporada fazendo só fumaça

A segunda temporada de "A Casa do Dragão" terminou sem sequer ter começado. Ao longo de oito episódios, a série se arriscou em intrigas palacianas, atolou em tramas repetitivas e ensaiou uma guerra que ficou só na vontade. Foi um grande exercício em gastar muito para dizer nada.

O retrocesso, tratando-se de um produto tão estratégico para a HBO, é lamentável. Se visualmente o mundo criado por George R.R. Martin continua suntuoso e convidativo, a trama sofreu com a partida do showrunner Miguel Sapochnik, que se afastou após a primeira temporada, deixando a função nas mãos de Ryan Condal.

Talvez o problema seja a comparação injusta com "Game of Thrones" - é um fator, mas não o único. A série de fantasia ambientada fez história na TV não só por seu escopo de produção incomparável, como se a cada semana tivéssemos um filme de espada e feitiçaria completo na telinha.

O que fazia mesmo a diferença era o texto sóbrio, que se ocupava de política com verniz medieval em um mundo também regido por um véu sobrenatural. Nesse tabuleiro fantástico, os efeitos e a produção eram a perfumaria, mas o que importava eram os personagens e suas interações. "Game of Thrones" nunca foi sobre dragões, zumbis, feiticeiros ou demônios: era sobre pessoas imperfeitas e fascinantes.

Bastardos com sangue real

"A Casa do Dragão", prólogo que adapta partes de "Fogo & Sangue", lançado por Martin em 2018, deixa de lado a vasta tapeçaria geopolítica do mundo de Westeros para se concentrar no drama da família Targaryen, devastada por uma guerra pelo trono. A primeira temporada costurou com habilidade essa nova mitologia, trazendo personagens com potencial para capturar mais uma vez a imaginação.

Todo esse cuidado, entretanto, evaporou-se na segunda temporada. A trama concentrou-se na disputa pelo trono dos Sete Reinos. De um lado a herdeira de fato, Rhaenyra (Emma D'arcy), que busca reunir um exército amparada por seu tio/consorte Daemon (Matt Smith). Do outro, Alicent (Olivia Cooke), viúva do rei morto Viserys (Paddy Considine), que vê o trono disputado por seus filhos Aegon (Tom Glynn-Carney) e Aemond (Ewan Mitchell) esfarelar-se.

O maior pecado de "A Casa do Dragão" é seu fracasso em dar alguma consistência a seu vasto elenco. "Game of Thrones" também trazia uma profusão de nomes e rostos, mas cada um era desenvolvido a contento, criando, dos protagonistas aos coadjuvantes, uma conexão imediata. Aqui, impera a "desinteressância". Faltam camadas, faltam conflitos e dilemas. Sobram definições rasas. Se ninguém importa, não há riscos. Sem riscos, a série é inerte.

Espírito travado

O potencial, contudo, está lá. Cada episódio de "A Casa do Dragão" sugere aprofundar-se nas motivações de seus personagens, mas são tramas logo abandonadas. Um exemplo escancarado é a sugestão de plebeus, bastardos com o sangue real Targaryen nas veias, serem capazes de montar os poderosos dragões: as implicações políticas e sociais são claras, mas a série prefere concentrar os "protestos" em um personagem, o príncipe Jace (Harry Collett), que faz bico e logo deixa a questão de lado. É frustrante.

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A falta de foco dos criadores de "A Casa do Dragão" fica ainda mais evidente no arco dramático de Daemon ao longo de toda a segunda temporada. Mesmo acreditando ser a escolha lógica para o trono, ele se resigna ao papel de consorte de Rhaenyra, alimentando sua insatisfação mesmo quando é despachado para arregimentar um exército para sua rainha.

Isolado em um castelo em frangalhos, e assombrado por visões de Viserys, Daemon é colocado em um papel secundário por toda a trama. A decisão em esconder seu personagem mais interessante, interpretado por um ator intenso e carismático como Matt Smith, é incompreensível e resume bem o espírito travado dessa segunda temporada.

Uma visão do futuro

A inércia narrativa é agravada por uma verborragia que substitui a ação, no que só pode ser interpretado como uma contenção de custos absurda. Sim, temos um (breve) combate de dragões em um único episódio - mas ele é para dizer o mínimo, anticlimático. Em outro momento, uma cidade é dizimada por um Aemond furioso, mas novamente a opção narrativa é descritiva, não visual.

O oitavo e derradeiro episódio resumiu bem essa temporada desastrosa de "A Casa do Dragão". Personagens continuam tramando em palácios e os diálogos são entrecortados por momentos de Rhaenyra no balcão do palácio, introspectiva, olhando o mar. Sem espetáculo sensorial ou embate verbal, resta apenas o tédio.

Essa rotina se repete até o limite da paródia, enquanto a ação se estende como um trailer para uma terceira temporada. Exércitos marcham aqui e acolá. Rhaenyra e Alicent caminham sem sair do lugar. Em dado momento, Daemon tem uma visão do futuro, lembrando a todos como "Game of Thrones" era bacana. Com oito episódios que caberiam facilmente em meia hora, "A Casa do Dragão" se despede, ainda que temporariamente, como uma reunião que poderia ter sido um email.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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