Roberto Sadovski

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Shyamalan volta com Armadilha: 'Cativar plateia está cada vez mais difícil'

M. Night Shyamalan continua sendo o estranho no ninho do cinema moderno. Há pelo menos um quarto de século, o cineasta tem sido uma das poucas vozes no cinemão a bancar ideias originais em um cenário dominado por propriedades intelectuais. É uma discussão cíclica, porém necessária: o cinema, afinal, sobrevive ao estar em constante movimento

O thriller "Armadilha" se encaixa à perfeição na proposta de Night. Ele imaginou como seria "O Silêncio dos Inocentes" ambientado em um show da cantora Taylor Swift e arquitetou seu filme em torno dessa ideia. "Penso primeiro se é algo que eu nunca vi antes e que desperte meu interesse", diz. "Até porque o investimento é no mínimo de dois anos da minha vida."

Conversar com Shyamalan é sempre um prazer. Ele é genuinamente apaixonado por cinema e interessado em falar sobre as possibilidades de sua arte. "Armadilha", afinal, trouxe um desafio diferente ao exigir uma produção em grande escala, um movimento na contramão do que o cineasta andava produzindo desde que começou uma nova fase em sua carreira com o modesto "A Visita".

"Para começar, eu precisava de um estádio para 20 mil pessoas à disposição por pelo menos três meses", dispara, empolgado. "Havia possibilidades nos Estados Unidos, Austrália e Canadá, e optamos pela terceira opção." O ambiente hermético faz parte de sua estratégia narrativa para ampliar a pressão e o suspense. "É uma versão em grande escala de um estilo que eu já faço", continua. "Foi um trabalho maravilhosamente complicado, mas eu adorei fazer."

O diretor M. Night Shyamalan fala sobre 'Armadilha'
O diretor M. Night Shyamalan fala sobre 'Armadilha' Imagem: Reprodução

"Armadilha" acompanha Cooper, papel de Josh Hartnett, sujeito de classe média que leva a filha para o show de uma estrela pop. Logo ele descobre que o evento é uma grande armadilha para o FBI capturar um serial killer, e o estádio, lotado com fãs para o show, está totalmente cercado pela polícia. O problema é que o próprio Cooper é o assassino, e agora ele precisa dar um jeito de escapar.

"Bom, eu não tive de matar ninguém", brinca Hartnett quando pergunto como ele se preparou para o papel. "Cooper é uma versão amplificada de todos nós", continua o ator. "O desafio é fazer com que ele seja crível, queremos que a plateia goste dele, e essa é a dualidade que buscávamos."

"Josh é muito aberto, é uma pessoa honesta e apaixonada por sua família", derrete-se Shyamalan. "Mas seus olhos trazem uma certa frieza que eu poderia usar para o personagem." O cineasta ressalta que enxergou em Hartnett a inclinação para abraçar um personagem tão dúbio: "Como seres humanos, ter experiência e ainda assim a disposição para começar tudo de novo é uma forma bacana de viver."

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Josh Hartnett conta como foi viver um serial killer em 'Armadilha'
Josh Hartnett conta como foi viver um serial killer em 'Armadilha' Imagem: Reprodução

Essa vocação para um eterno recomeço está no DNA de M. Night Shyamalan, especialmente em um cenário pouco receptivo a histórias inéditas. "Vivemos um momento de intensa dispersão e está cada vez mais difícil chamar a atenção do público", observa. "É natural que os estúdios abordem histórias que a plateia já conheça, é uma forma de expandir uma paixão que já existe."

"Novas cores são mais difíceis para reter", ressalta. "É um desafio que eu acho saudável para cineastas, e é isso que me encanta." Quando "O Sexto Sentido" chegou aos cinemas, a indústria não dependia de forma tão arregada de marcas, e o mesmo cinema que recebia "Star Wars: A Ameaça Fantasma" também abria espaço para "Matrix". "Há duas décadas quase todo filme era original", lembra. "Acho que existe espaço para tudo."

Ainda assim, não é raro que grandes produtoras batam à porta de Shyamalan com alguma propriedade intelectual. "Vários personagens me interessam", confessa. "É tentador ter essa relação já existente com o público quando me oferecem algo que não é meu." A empolgação, contudo, logo dá espaço à reflexão. "A plateia confia que verá algo novo quando meu nome está envolvido", conclui. "É uma relação de confiança que eu gosto de alimentar."

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