Roberto Sadovski

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Reportagem

Joaquin Phoenix abandona projeto: Ele 'coringou' ou é tudo parte do show?

Na noite de 11 de fevereiro de 2009, Joaquin Phoenix parecia perturbado no talk show de David Letterman. De cabelos desgrenhados e barba por fazer, o ator balbuciou meia dúzia de palavras incoerentes e revelou que encerraria a carreira no cinema para iniciar uma nova, como rapper. O apresentador ficou perplexo. "Sinto muito que você não pôde estar conosco hoje", disse Letterman ao encerrar o papo.

O surto, por fim, era parte do ato. Dezoito meses depois, Phoenix retornou ao "Tonight Show", agora com visual de astro de cinema, com um pedido de desculpas a Letterman. A "performance" fazia parte do mocumentário "Eu Ainda Estou Aqui", um projeto do ator com direção do colega Casey Affleck que retratava o derretimento do astro e sua consequente transformação em cantor de hip hop. Uma mentirinha de grandes proporções, nada mais.

Essa história pipocou em minha memória semana passada, quando Joaquin Phoenix abandonou, sem nenhum cerimônia, o novo trabalho do diretor Todd Haynes, cinco dias antes de começar as filmagens. Cenários foram erguidos no México, contratos de financiamento e distribuição haviam sido firmados, tudo ancorado no nome do astro. Sem ele, o filme literalmente se esfarelou.

Hollywood recebeu a história de forma severa. A atitude de Phoenix, que segundo fontes próximas perdeu a confiança no projeto e se acovardou, resultou em centenas de pessoas desempregadas e investidores acionando a seguradora da produção para recuperar o prejuízo, calculado em milhões de dólares. Será quase impossível, por sinal, uma agência de seguros endossar um próximo projeto do ator, que até o momento não se pronunciou.

Camadas complexas

A verdade é que absolutamente nada disso faz sentido. Nos bastidores da produção, especula-se que Phoenix hesitou devido ao forte conteúdo sexual do filme, uma história de detetives que explorava o romance tórrido entre dois homens nos anos 1930 - o ator Danny Ramirez, de "Top Gun Maverick", faria o par de Joaquin. Seria improvável, mas não impossível, que ele tivesse pensamentos conflitantes ao entrar em um projeto tão arriscado.

O problema é que a ideia do filme partiu do próprio Joaquin Phoenix. Ele buscou uma produtora e posteriormente levou o projeto a Haynes. O diretor não é arredio a filmes com conteúdo sexualmente explosivo, como "Longe do Paraíso" e "Carol" - este último protagonizado por Rooney Mara, companheira de Phoenix. "Ele me trouxe fragmentos de ideias que eu estruturei em uma narrativa", disse Haynes em 2023. "Foi um modo orgânico e maravilhoso de criar um roteiro."

A própria carreira de Phoenix não se abstém de projetos ousados. E nem falo de filmes obviamente mais fora da curva, como "Ela", "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" e "Beau Tem Medo". Mesmo em candidatos a blockbuster como "8mm" ou "Gladiador", o ator encontra uma forma de injetar camadas mais interessantes e complexas a seus personagens.

Essa característica camaleônica o fez ser escalado para uma série de filmes de diretores meticulosos. Ele fez dois com M. Night Shyamalan ("Sinais" e "A Vila"), três com James Gray ("Os Donos da Noite", "Amantes" e "Era Uma Vez em Nova York") e outro par com Paul Thomas Anderson ("O Mestre" e "Vício Inerente"). "Johnny & June" o colocou no papel Johnny Cash para o diretor James Mangold e provou que Phoenix estava disposto a atravessar todos os limites por sua arte.

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Sabotagem deliberada

A pulga cutuca forte atrás da orelha pela proximidade do lançamento de "Coringa: Delírio a Dois", em que Joaquin se reúne com o diretor Todd Phillips em mais uma aventura do Palhaço do Crime. Com Lady Gaga adicionada à mistura, o novo filme teve a audácia de abraçar o musical como gênero. É uma liberdade que eles não tiveram em "Coringa". Lançado em 2019, o projeto nunca teve a confiança do estúdio, com engravatados tentando a todo momento puxar seu tapete.

A reinterpretação do nêmese do Batman, porém, passou de patinho feio com orçamento pálido de US$ 55 milhões para um colosso que faturou pouco mais de US$ 1 bilhão de dólares. Foi um fenômeno de público e crítica, coroado com 11 indicações ao Oscar, inclusive melhor filme, que terminou premiado pela trilha sonora de Hildur Guðnadóttir e, ainda mais importante, pela performance de Joaquin Phoenix como melhor ator.

Todo o drama envolvendo o projeto com Todd Haynes, portanto, não poderia chegar em pior hora: às vésperas da chegada de "Coringa: Delírio a Dois" aos cinemas, filme com chances fortíssimas de repetir os feitos do primeiro, inclusive na temporada de premiações que culmina com a festa da Academia. Não faz sentido Phoenix sabotar deliberadamente o impacto do filme, que estará mês que vem em competição no Festival de Veneza, com uma atitude tão pouco profissional.

Uma grande piada

As engrenagens da especulação aceleram enquanto todas as partes preferem o silêncio. Seria a jogada de marketing do ano se esse surto fosse convertido em alguma ação promocional do astro como o personagem, notoriamente autodestrutivo e imprevisível. A escala, claro, é muito maior do que uma entrevista bizarra em rede nacional para uma fita indie, como ocorreu há 15 anos, e até o momento as evidências apontam o pior dos cenários. Mas eu não coloco a mão no fogo. Hollywood é, afinal, uma grande piada.

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Joaquin Phoenix, por sinal, não deve estar nem um pouco preocupado. Além do novo "Coringa", ele já tem dois projetos explosivos em fase de finalização: o terror "Polaris", em que ele divide a cena com Rooney Mara como um fotógrafo que, no Alasca dos anos 1890, encontra o demônio; e "Eddington", projeto secreto de Ari Aster ("Beau Tem Medo"), com Pedro Pascal, Austin Butler e Emma Stone no elenco.

Se toda essa movimentação não passar de uma farsa meticulosamente e economicamente elaborada, ao menos uma pessoa ligada ao projeto não está rindo. Quando o site Indiewire publicou a notícia, depois de acompanhar boatos de membros do projeto em redes sociais, a produtora Christine Vachon, da Killer Films, uma das financiadoras do filme, não mediu palavras. "Isso é um pesadelo", desabafou. "Esse projeto era DELE, e foi ELE quem o trouxe para a gente!"

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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