Roberto Sadovski

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Reportagem

'Não perdi o sono pensando no passado', diz diretor do novo 'O Corvo'

"Você está perguntando ao sujeito errado." O diretor Rupert Sanders lava as mãos sobre a demora para a nova versão de "O Corvo" finalmente chegar aos cinemas. "Eu entendo que esse projeto está em desenvolvimento há bastante tempo", continua. "Mas para mim foram doze meses de trabalho. E foi isso."

Responsável pelas fantasias "Branca de Neve e o Caçador" e "A Vigilante do Amanhã", Sanders entrou na linha de produção de "O Corvo" após uma lista considerável de criadores tentar, sem sucesso, revigorar o personagem. Começando por Stephen Norrington ("Blade") em 2008, o projeto passou, sem sair da gaveta, por Juan Carlos Fresnadillo ("Donzela"), F. Javier Gutiérrez ("O Chamado 3") e "Corin Hardy ("A Freira").

O cuidado excessivo não deixa de ser compreensível. "O Corvo" surgiu como uma série em quadrinhos criada em 1989 por James O'Barr, mas ganhou o mundo cinco anos depois com o filme dirigido por Alex Proyas e protagonizado por Brandon Lee. A produção ficou marcada pela tragédia: a carga de festim de uma arma cênica disparou acidentalmente uma bala deixada em seu cano, ferindo mortalmente o ator, que morreu horas depois no hospital.

A ideia de reinterpretar a criação de O'Barr, portanto, sempre foi recebida com cautela. Enquanto a qualidade das obras que sucederam o trabalho de Proyas despencava - foram três filmes para o cinema e uma série de TV -, a fantasia gótica original ganhava status cult, com a figura de Brandon Lee, caracterizado como o roqueiro Eric Draven, ramificando-se em todas as vertentes da cultura pop. Antes de mais nada, revisitar "O Corvo" exigia tato.

Bill Skarsgård em 'O Corvo'
Bill Skarsgård em 'O Corvo' Imagem: Imagem

"Desde o começo eu busquei honrar o legado da graphic novel e o filme com Brandon Lee", explica Sanders. "Mas seria um desserviço ao futuro se ficássemos atrelados ao passado." O diretor buscou um exemplo recente para aplacar quaisquer dúvidas. "É como 'Duna', adaptado por David Lynch em 1984 e mais recentemente por Denis Villeneuve", teoriza. "Não dá para perder o sono com isso, você tem de respeitar o que veio antes e seguir em frente."

Sua versão de "O Corvo" mantém intacta a premissa básica da graphic novel. Depois de ser assassinado ao lado do amor de sua vida, Shelly, Eric retorna ao mundo dos vivos guiado pela figura do corvo como uma força sobrenatural de vingança. O papel do herói trágico passou por um catálogo de astros modernos, de Jack Huston a Luke Evans e Jason Momoa - que quase assumiu o projeto -, antes de terminar com Bill Skarsgård.

"'O Corvo' reacendeu no cinema o apetite por variações da história do assassino em busca de vingança", lembra o ator, que chegou ao set em Praga direto das filmagens de "Contra o Mundo". Ele lembra filmes diversos, como "Chamas das Vingança", "Busca Implacável" e "De Volta ao Jogo" como bons exemplos dessa premissa. "Nossa história retoma o tema do sacrifício supremo por amor", explica. "É sobre o que estamos dispostos a fazer para salvar quem a gente ama, é a resposta para o que faríamos se pudéssemos resgatar essa pessoa da morte."

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Quando pergunto sobre a dificuldade em criar uma nova versão de Eric à sombra da iconografia imortalizada por Brandon Lee, o ator é enfático. "Não pensei nisso e não posso controlar a percepção do público", reflete. "No momento que a gente se compromete com um filme, o importante é se guiar pela visão do diretor, pelo roteiro e como superar os obstáculos que ele apresenta. O importante era fazer esse filme e não pensar no que veio antes."

Eric (Bill Skarsgård) e Shelly (FKA Twigs) descobrem o amor
Eric (Bill Skarsgård) e Shelly (FKA Twigs) descobrem o amor Imagem: Imagem

Para deixar para trás "o que veio antes", como ressaltam Rupert Sanders e Bill Skarsgård, "O Corvo" recalibrou alguns aspectos tanto da graphic novel de James O'Barr quanto do filme com Brandon Lee. O protagonista não é mais um roqueiro, elemento criado na adaptação de 1994 que não existia na HQ original, e sim um jovem atormentado por um trauma familiar. Eric está internado em um instituto para pacientes com distúrbios mentais, confinamento onde ele conhece e se apaixona por Shelly.

"Ela é o elemento que separa nossa versão de todas as anteriores", continua Skarsgård. "Agora temos tempo para conhecer Shelly e entender os motivos que fizeram Eric se apaixonar de maneira tão arrebatadora." O papel, expandido de forma considerável em comparação ao filme de 1994, ficou com a cantora britânica FKA Twigs, que traz no currículo como atriz o drama "O Preço do Talento", rodado em 2019 com Shia LaBeouf.

Ampliar o escopo de Shelly alterou o texto de forma radical: sua morte ao lado de Eric não é mais obra do acaso, e sim consequência dos demônios de seu próprio passado, materializados na figura do criminoso defendido por Danny Huston. "Todos têm o desejo de controlar sua tragédia, as coisas que estão fora de nosso alcance", teoriza Twigs. "'O Corvo' mostra um mundo em que esse tipo de controle é possível. Mudar o destino é sedutor."

Danny Huston capricha como o vilão em 'O Corvo'
Danny Huston capricha como o vilão em 'O Corvo' Imagem: Imagem
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Quando foi lançado há 30 anos, "O Corvo" tornou-se a tradução perfeita de seu tempo. Apresentado como uma fantasia gótica, o filme de Alex Proyas era um triunfo do estilo sobre substância, pontuado por uma trilha sonora que ilustrava essa proposta com bandas de estímulo visual e sonoro paralelos, como The Cure, Nine Inch Nails, Helmet e The Jesus and Mary Chain. Em uma época que rascunhava o que seria o estilo emo, "O Corvo" era um pedaço de cultura pop moderno, romântico, trágico e envolvente.

O novo filme se esforça para ser uma obra com personalidade própria. A tentativa de separar enfaticamente a figura eternizada por Brandon Lee do vingador sobrenatural vivido por Bill Skarsgård passa por um registro visual diferente para Eric. Existe, contudo, um limite para a reinvenção, e o próprio cerne da trama imediatamente a ancora a um estilo - musical, temático e visual - que já surge datado.

Essa versão atualizada traz, contudo, uma preocupação maior com a reação de Eric à violência que seu retorno dos mortos traz. "Em um filme com alta contagem de corpos, o protagonista geralmente recarrega sua arma e segue em frente", discorre o diretor. "Bill não era assim, ele chorava ao fim de cada take, sem receio de expor sua fragilidade emocional." Sanders ressalta o compromisso de Skarsgård com o personagem: "A beleza de sua performance é essa crueza, escancarada mesmo com ele coberto de sangue após uma sequência violenta".

O momento que melhor ilustra essa dicotomia é o ataque na ópera, quando Eric finalmente entende que o destino de Shelly repousa no sacrifício de sua alma imortal, selado por sua entrega à ultraviolência. "O homem é capaz de criar beleza e, ao mesmo tempo, cometer as piores atrocidades", filosofa Sanders. "A ópera é uma justaposição de Céu e Inferno, uma metáfora que consolida a jornada de Eric."

Eric (Bill Skarsgård) está pronto para festejar como se fosse 1994
Eric (Bill Skarsgård) está pronto para festejar como se fosse 1994 Imagem: Imagem

"Este foi o momento em que Eric se tornou de fato essa criatura", lembra Skarsgård. "Ele sabe que o rastro de corpos mutilados são seu atestado de ódio, vingança e culpa. Ele odeia o que ele se tornou." A sequência levou quatro noites para ser finalizada e descarregou as baterias do ator. "Foram muitas cargas explosivas e gritos de agonia, sangue falso e lágrimas verdadeiras", brinca. "Foi exaustivo mas também foi divertido."

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Retornar a esse mundo, por outro lado, não está nos planos imediatos do ator. Ele admite, contudo, que o roteiro foi modificado para não criar um final definitivo. "Eu prefiro uma história contida, com três atos, clímax as consequências", diz Skarsgård. "Mas você sabe que, no fim, tudo se resume ao interesse do público em acompanhar esses personagens."

"O cinema é um mundo democrático", completa Sanders. "Se o público quer ver mais filmes sobre a lua, então ele terá mais filmes sobre a lua." O segredo, explica, é encontrar uma propriedade intelectual que possa ser convertida em uma história relevante e original, mas que traga o conforto da familiaridade.

"'O Corvo' é uma história com arquétipos simples que eu recontei em grande escala dentro dos limites de um filme independente", pondera, antes de concluir. "Sabe, nosso filme é muito pequeno. Éramos uma equipe muito europeia, sobrevivendo entre a República Tcheca, Alemanha e Inglaterra sem um centavo de Hollywood", diz, com uma ponta de orgulho. "Esse é um filme independente, sujo e maltrapilho como o original. Não é um filme de Hollywood."

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