'Longlegs': Nicolas Cage é a face do mal no 'melhor filme de terror' da vez
Toda semana um novo filme de terror chega aos cinemas com o rótulo de "mais apavorante" ou "experiência inesquecível" - a expectativa, bem sabemos, é a mãe da decepção. Felizmente, não é o caso de "Longlegs - Vínculo Mortal". Perturbador e apavorante, o filme de Osgood Perkins vai além dos sustos, causando uma sensação incômoda, o tipo de mal estar perene que surge quando testemunhamos algo, digamos, impróprio.
Construir esse clima é mérito não só de Perkins, como também do elenco avassalador do qual ele se cercou. "Longlegs" traz todos os truques que traduzem uma atmosfera apavorante no cinema, amplificados pelo empenho de atores como Maika Monroe e Alicia Witt mantendo a trama com os pés no chão - antes de ela tragar a todos, plateia inclusa, para o abismo da loucura e danação.
O tamanho desse buraco é sugerido já na primeira cena, em que uma garotinha, inocente como a neve que pinta a paisagem, é abordada por um estranho. Nunca vemos seu rosto, mas ouvimos sua voz, e o desconforto causado por sua presença permeia cada momento do filme a partir de então. Não é segredo que o sujeito é personagem de Nicolas Cage, e esse mistério acerca de sua aparência e intenções dá o tom da próxima hora e meia.
A trama começa de verdade décadas depois, nos anos 1990, quando somos apresentados a Lee Harker (Maika Monroe), agente do FBI reservada e introspectiva que parece ter o dom da clarividência. Ela é destacada para trabalhar em uma série de homicídios que, sem pistas sólidas, sugerem a interferência dessa figura autodenominada Longlegs.
A investigação revela uma série de códigos e símbolos que não só determinam um padrão nos crimes como também podem envolver um acontecimento do passado de Lee. Embora "Longlegs" muitas vezes ameace se inclinar para o lugar comum do thriller policial, Perkins habilmente aumenta o volume na estranheza e coloca tensão e terror na primeira fila. É como se "O Silêncio dos Inocentes" tivesse um toque sobrenatural.
Como Nicolas Cage está em cena, não existe aqui espaço para sutileza. O ator habitualmente não faz nada pela metade, mas a construção dramática de seu Longlegs é um disparo fora da curva revigorante. Cage sabe que sua personalidade lhe dá um certo lastro para a experimentação, e aqui ele recorre a seu baú de referências sem nenhuma miséria. Em suas mãos, a criatura pálida de voz fragilizada é a materialização do mais puro mal.
Ainda assim, o personagem nunca é usado como mero artifício: o mistério em turno de sua figura é parte integral da trama. Osgood, filho do ator Anthony Perkins - o Norman Bates de "Psicose" -, usa essa presença perturbadora como elemento disruptivo em uma história carregada de gatilhos para desestabilizar nossa expectativa. A escuridão, no cinema, ganha vida.
Cada frame em "Longlegs" é meticulosamente calculado para trazer a atenção a seus protagonistas, ainda que não perca a vastidão que os cerca. É um filme que existe nos detalhes, nos cantos e nas sombras, e sempre que a trama volta seu foco para a caçada a um serial killer, Osgood dá um jeito de enquadrar o que realmente interessa: solidão, desumanização, o esfacelamento da proteção teoricamente trazida pelo núcleo familiar.
É nesse espaço de indiferença pela ordem natural, em que certezas e segurança não passam de ilusão, que "Longlegs" encontra sua força. Seria de fato o filme de terror perfeito não fosse pelos minutos finais, quando a trama se entrega a soluções fáceis que tiram o véu do mistério. Nada que estrague, contudo, o terror mais apavorante e a experiência inesquecível por ele proporcionada. Ao menos até a semana que vem.
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