Anárquico e vibrante, novo 'Beetlejuice' é puro suco de Tim Burton
Tim Burton estava pronto para entregar o jogo. Depois da recepção azeda a "Dumbo", e da experiência desgastante que foi trabalhar no filme com a Disney, o cineasta que deu um toque de estranheza à cultura pop considerou um único caminho viável: a aposentadoria.
Curiosamente, Burton buscou no passado o aditivo que clareou seu futuro. "Os Fantasmas Ainda Se Divertem - Beetlejuice Beetlejuice" (sério, turma, quem precisa de um título desse tamanho...), sequência tardia do filme que o revelou no final dos anos 1980, é uma aventura divertidamente sombria que traz faíscas criativas na dose certa para o diretor recuperar seu mojo.
A nova empreitada não traz, por óbvio, a inovação e o impacto de seu antecessor — e nem tinha como. Lançado em 1988, "Os Fantasmas Se Divertem" foi uma revelação. O público devorou as estruturas de ângulos estranhos e os personagens ligeiramente fora de sintonia com o mundo normal. Absolutamente nada era parecido com "Beetlejuice" e seu clima estranhamente macabro, que buscava uma intensidade não sombria, e sim lúdica e anárquica.
São dois predicados fundamentais que, felizmente, formam a base de "Beetlejuice Beetlejuice". Mais de três décadas se passaram desde que a família Deetz teve de lidar com o "bio-exorcista" Betelgeuse (Michael Keaton). Lydia (Winona Ryder), que desenvolveu habilidades mediúnicas e passa a enxergar fantasmas, agora apresenta um programa sobre casas assombradas. Já sua madrasta, a excêntrica Delia (Catherine O'Hara), continua na bolha dentro da bolha, imersa em sua arte.
Lydia, entretanto, tem uma relação complicada com a filha adolescente, Astrid (Jenna Ortega), desde a morte de seu marido — o único fantasma que ela não consegue ver. A jovem, por consequência, acha que a mãe é uma farsa e quer distância, mas elas precisam manter a civilidade quando Delia informa a morte de seu amado Charles, pai de Lydia e avô de Astrid. O funeral leva as três gerações da família Deetz de volta à pacata Winter River, cenário perfeito para a volta de um certo fantasma falastrão.
"Beetlejuice Beetlejuice" atira em todas as direções, como se ao longo dos anos os produtores fossem estocando todas as ideias possíveis para a continuação e, quando surgiu a oportunidade, não perderam a chance de usar cada uma delas. Se a trama em 1988 era mais simples e coesa — para expulsar os vivos irritantes de sua casa, dois recém-falecidos apelam para Betelgeuse — dessa vez a tragédia familiar é só um galho em uma árvore que não enxergamos toda sua copa.
O novo filme apresenta a noiva de Betelgeuse, Delores (Monica Bellucci), implacável e sedenta por sua alma; traz Willem Dafoe como um ator que, no pós-vida, atua como policial; arma o casamento de Lydia com um namorado seboso (Justin Theroux em um papel-clichê); e se ocupa do resgate de Astrid, que corre o risco de ficar presa no mundo dos mortos, o que faz Lydia se enroscar mais uma vez com Betelgeuse (que soa, em inglês, como Beetlejuice).
Michael Keaton, claro, nasceu para esse papel. Poucos atores se entregam de maneira tão natural e extraordinária a um personagem. A diferença é que Keaton entende perfeitamente o que faz Beetlejuice funcionar. Não são seus poderes sobrenaturais, e sim sua personalidade. Ele não é um demônio, e sim uma mistura de funcionário público com vendedor de carros usados, um malandro de ótima lábia e senso de humor rápido e afiado.
Assim como em "Os Fantasmas Se Divertem", Keaton tem pouco tempo em cena, mas o necessário para fazer não só a trama principal fluir, como também para amarrar todas as outras sem que elas se atropelem. Não atrapalha, claro, todo o elenco estar na mesma sintonia. Absolutamente todo mundo, e não só as veteranas nesse mundo, pareciam não se divertir em um set há tempos. Essa leveza, claro, respinga do lado de cá.
Segurando todo o circo em pé temos Tim Burton em estado bruto, com todas as suas idiossincrasias e assinaturas. É um prazer ver um dos cineastas mais originais e únicos do cinema tão seguro em sua direção, tão preciso em suas decisões. Mesmo que o filme ameace ceder sob o próprio peso, e que Burton deliberadamente flerte com o caos, ele é firme em sua visão. Não existe um osso cínico aqui, não é um caça-níqueis: "Beetlejuice Beetlejuice" é o trabalho de um artista que sabe do que gosta e como gosta.
Uma máquina movida a nostalgia pode, afinal, voar acima do óbvio. É honesto criar um remix de melhores momentos de sua própria criação, do visual deliciosamente artificial aos efeitos artesanais, com retoques digitais em um segundo plano distante, quanto a intenção é orgânica. Não existe ambição em superar o primeiro filme, e sim em continuar sua narrativa com o mesmo charme lúdico.
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Quero receberAfinal, sejamos honestos, a verdade é que nenhum outro diretor se atreveria a assumir as rédeas em "Beetlejuice Beetlejuice" — ou mesmo em qualquer outra de suas criações — sob a pena de chafurdar na paródia. O que me fez pensar: se Tim Burton está revigorado, revisitando um de seus clássicos com Michael Keaton tão altivo e empolgado a seu lado, sugerir uma viagem da dupla à Gotham City não seria assim tão absurdo. Sonhar, como Tim Burton não cansa de provar, é um barato!
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