Vitória de 'Xógum' e 'Hacks' chacoalha (mas não muito) a mesmice do Emmy
Uma coisa que incomoda nas premiações de TV é a repetição. O Oscar, por exemplo, traz uma coleção de filmes novos a cada ano. A "regra" não vale para o Emmy. A própria natureza da televisão é trazer uma pitada de mais do mesmo a cada nova temporada, o que é refletido na festa. Quando uma nova série quebra o ciclo, ela se torna a barbada do ano seguinte. Até os discursos viram rotina.
Não foi supresa que a cerimônia do Emmy tenha rodado quase sempre no automático. Afinal, foi a segunda festa da Academia de Televisão este ano, uma dose dupla provocada pela greve de atores e roteiristas de 2023, que trouxe este segundo capítulo após o Emmy realizado em janeiro. Como resultado, as homenagens a programas antigos pareceram requentadas, a nostalgia não bateu com tanta força e o clima de "por tabela" dominou.
A dupla de pai e filho Eugene e Dan Levy apresentou a festa com tom respeitoso, e a entrega dos troféus alternou o óbvio (Jeremy Allen White e Ebom Moss-Bacharach ganharam por sua atuação em "O Urso") com o inesperado (Liza Colón-Zayas por "O Urso"; Lamorne Morris por "Fargo"). Jean Smart ("Hacks") e Jodie Foster ("True Detective") foram ótimas em demonstrar surpresa em vitórias que, na verdade, não eram.
O respiro de vitalidade no Emmy 2.0 veio com os quatro prêmios para "Bebê Rena", que colocou Richard Gadd no palco três vezes (recebendo o troféu de melhor minissérie, roteiro e ator), além do reconhecimento para a atriz Jessica Gunning. Gadd parecia genuinamente surpreso com seu triunfo, e honestidade sempre conta pontos.
O grande vencedor da noite foi, também, uma série estreante na corrida. "Xógum: A Gloriosa Saga do Japão" escalou para a categoria principal com os planos de expandir seu universo para além de uma temporada e garfou um recorde de 18 troféus. O épico do canal F/X, exibido no Brasil pela Star+, condensou as mais de mil páginas do livro publicado por James Clavell - adaptado para a TV anteriormente em 1980 - em uma série de 10 horas com resultados superlativos.
Os prêmios são uma conquista para a representatividade asiática na TV americana por "Xógum" ser encenada em boa parte de sua metragem em japonês, marcando a primeira vitória de uma série majoritariamente de língua não inglesa na categoria. Nesse prisma, os troféus de atuação para Anna Sawai e para a lenda Hiroyuki Sanada ganham ainda mais relevo.
O tom progressista do Emmy, que teve seu ápice com a vitória de "Xógum", foi marcado pelo discurso preciso de John Leguizamo. O ator apontou que o tempo se encarregou de quebrar estereótipos latinos na TV, mas ressaltou que o trabalho é constante. O tema foi reforçado com o troféu honorário concedido ao produtor Greg Berlanti, que ressaltou a importância de trazer representatividade LGBTQ+ à programação. Não teria como ser diferente. Se a TV entra na casa de todos em todo o mundo o tempo todo, refletir o mundo real por meio da ficção deveria ser obrigação.
Entre as piadas que nem sempre colavam, os tapinhas nas costas, discursos emocionados e os momentos que ainda precisam ser lapidados (nem o Emmy e nem o Oscar acertam o tom do segmento "em memória"), ao menos uma grande injustiça foi corrigida na premiação: o prêmio de melhor comédia foi para uma comédia.
Veja bem, "O Urso" é uma das grandes séries da TV moderna. Ao colocar uma lupa sobre o microcosmo de um restaurante em Chicago, o programa acerta ao costurar histórias sobre traumas familiares, relações profissionais, amor, luto, dor, risos e lágrimas. O que não existe aqui é espaço para soltar o riso. É um drama, dos bons, que inexplicavelmente é indicado como comédia.
Em janeiro, a série criada por Christopher Storer foi laureada como melhor série na categoria comédia. Foi divertido observar os discursos e as comemorações sem que ninguém falasse sobre o bode na sala: "O Urso" não é uma comédia! Felizmente fomos poupados desse constrangimento na festa do último domingo, quando "Hacks", uma série verdadeiramente engraçada, levou o troféu de melhor comédia. Por um breve momento, tudo ficou certo no mundo.
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