'Agatha Desde Sempre' passa longe do clube de meninos superpoderosos Marvel
Se a Marvel é sinônimo de super-herois, os produtores de "Agatha Desde Sempre" não receberam esse email. A série criada por Jac Schaeffer tem "WandaVision" como ponto de partida, mas busca se manter alheia ao universo compartilhado do estúdio. O que, no fim, é a melhor decisão.
Até porque, sejamos honestos, o ritual de filmes e séries como fragmentos de uma saga maior estava precisando de um respiro. Em vez de grandes poderes e grandes responsabilidades, o que "Agatha Desde Sempre" traz é uma trama modesta, contida (ao menos até os episódios liberados para a imprensa) e de olho num target longe da turma que se empolgou com "Deadpool & Wolverine".
A estrela aqui é a bruxa Agatha Harkness (Kathryn Hahn, um deleite como sempre), que foi despida de sua memória e de seus poderes pela Feiticeira Escarlate ao final de "WandaVision". A ilusão que disfarça sua verdadeira identidade é quebrada após 3 anos, impelindo Agatha a recuperar seus dons, ao mesmo tempo em que foge de uma cabala em busca de vingança.
A solução é reunir um coven e se arriscar no perigoso "caminho das bruxas", capaz de restaurar sua força sobrenatural. O problema é que as outras feiticeiras convocadas por Agatha encontram-se tão fragmentadas e desesperadas quanto a própria, o que sugere que a jornada não será livre de atribulações e trapaças.
O conhecimento enciclopédico despejado em mais de uma década de universo compartilhado Marvel não é de muita serventia em "Agatha Desde Sempre" —o que é uma bênção! Longe de se ancorar na turma de uniformes coloridos e poderes fantásticos (opa!), os paralelos podem ser traçados com séries de terror light dos anos 1990 como "Sabrina, Aprendiz de Feiticeira" ou "Buffy, a Caça-Vampiros".
Jac Schaeffer não esconde suas inspirações e referências. Do visual levemente cafona e artificial aos vilões saídos da festa de Halloween da escolinha de inglês, passando pela adição de um ou muitos números musicais, tudo grita nostalgia por uma época em que a TV não se levava tão a sério ao passear pelo mundo da fantasia.
Esse clima despojado é refletido em um elenco que claramente entendeu a piada —em especial Aubrey Plaza, deliciosamente lacônica como uma adversária mística de Agatha. O revés dessa escolha de Schaeffer é a inconsistência do tom da série, que mira no bom humor, mas por vezes arrisca de forma canhestra uma guinada mais sóbria.
Ainda assim, é um respiro dentro da engrenagem da Marvel, e o tipo de história que pede para ser mais explorada. Super-heróis ainda são a força motriz do estúdio, mas especiais como "Lobisomem na Noite" mostram o quanto esse universo é vasto e colorido. Nem toda história precisa ser parte de uma saga, nem toda ameaça coloca a galáxia em risco.
Não existe em "Agatha Desde Sempre" a ambição de "WandaVision", que trouxe a cola entre as produções de cinema e as séries de streaming da Marvel em uma escala até então inexistente na cultura pop. Pode até ser que a série estreite seus laços com o universo expandido antes de terminar, mas não seria nenhum pecado se mantivesse o clima de festa do pijama para amigas pré-adolescentes.
Claro que o fã "tradicional" da Marvel, a marmanjada que verteu lágrimas em "Deadpool & Wolverine" depois de xingar muito "As Marvels" nas redes sociais sem ao menos ver o filme, vai arriscar uns 20 minutos de "Agatha Desde Sempre" e desistir, reclamando da ausência de personagens mais parrudos. Tudo bem. Essa turma ultimamente só sabe reclamar.
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