Melhor animação do ano, 'Robô Selvagem' é festa para os olhos e coração
"Robô Selvagem" é um filme sobre esperança. Para elaborar melhor, preciso trazer outra obra à mesa: "O Exterminador do Futuro 2". Sim, sério. Na obra-prima de James Cameron, o ciborgue assassino interpretado por Arnold Schwarzenegger rompe sua programação e aprende por fim o valor da vida. Mesmo que esse aprendizado seja doloroso.
Roz, protagonista mecânica de "Robô Selvagem", obviamente não veio do futuro para eliminar ninguém. Mas ela também se vê num ambiente estranho e, ao extrapolar seus parâmetros, passa a apreciar o mundo para além da lógica binária de uma máquina. No processo, aprende que natureza e tecnologia existem num equilíbrio delicado, em que os conceitos de aliado e antagonista depende unicamente da mão que empunha a ferramenta.
O dilema que dispara a trama é que essa mão de comando não existe. Pate de um lote de robôs perdido por um navio cargueiro durante uma tempestade, Roz termina numa ilha sem a presença humana. Os animais enxergam a intrusa como um monstro, e sem um "dono" que determine suas tarefas, ela se vê impelida a decifrar as necessidades de seus vizinhos involuntários.
De forma lúdica, Roz aprende a "língua" dos bichos, mas sua disposição para cumprir seu propósito em ajudar a realizar tarefas aos poucos se transforma em frustração, restando a alternativa de emitir um sinal para seu resgate. O cenário muda quando ela, após fugir do ataque de um urso, acidentalmente destrói um ninho, e quando um bebê ganso surge nasce do único ovo intacto, ele imediatamente faz de Roz sua figura materna.
"Robô Selvagem" parte, então, de uma estrutura narrativa relativamente simples. Roz finalmente encontra sua tarefa - "criar" o filhote, batizado Brightbill, para que ele possa aprender a nadar, voar e por fim migrar quando chegar a hora -, mas a jornada faz com que ela descubra sentimentos estranhos a um robô.
A amizade relutante com a raposa Fink, e a posterior aproximação com os outros animais da ilha, fazem Roz repensar seu propósito, o que é colocado em cheque quando seus criadores finalmente enviam um módulo de resgate - que será efetuado, violentamente se necessário, alheio à vontade da robô.
O diretor Chris Sanders, criador de "Lilo & Stitch", "Os Croods" e "Como Treinar Seu Dragão", defende que boas ideias precisam ser postas antes de necessidades coorporatoivas. Antes de ser produtos, os filmes precisam existir como expressão artística de seus criadores - seja uma ideia original, como o alien Stitch, seja como adaptação de um livro, o caso de "Robô Selvagem".
Essa abordagem, que claramente experimenta mais liberdade na DreamWorks, resulta em uma obra não só com poucas amarras comerciais, mas também com espaço para versar sobre temas mais maduros e, por que não, urgentes. Em "Robô Selvagem", a aventura fantástica abraça uma história sobre os dilemas da maternidade, a importância de viver em harmonia com quem é diferente, o valor das escolhas individuais.
É uma tapeçaria familiar, que entrelaça sequências de ação vibrantes e momentos mais intimistas que genuinamente aquecem o coração e afloram os sentimentos. É "O Gigante de Ferro". É "Wall-E". É a fórmula dos "Looney Tunes", que deixa a criançada entretida cenários vibrante e gags visuais, sem ignorar o público mais velho com uma história elegante e sofisticada.
Sem falar que "Robô Selvagem" é provavelmente um dos filmes mais deslumbrantes da última década. Cada frame é tratado como uma pintura a óleo, em que a animação digital se confunde com pincel e tintas para criar a mais pura beleza. É o que acontece quando a engrenagem dos grandes estúdios trabalha a favor da arte.
A combinação se torna perfeita quando o cuidado com o desenvolvimento dramático dos personagens é tão evidente. Não apenas Roz, mas também Brightbill, Fink e os outros habitantes da trama, que encontram em sua vulnerabilidade a força para mudar e crescer. É nesse equilíbrio delicado que "Robô Selvagem" vai ressoar na memória coletiva. Desde já, um dos grandes filmes - e a melhor animação - do ano.
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