'O Exterminador do Futuro': o filme que enxergou o amanhã completa 40 anos
James Cameron não queria nem sequer conhecer Arnold Schwarzenegger. O encontro, orquestrado pela distribuidora Orion Pictures, colocou o diretor numa sinuca. Sua ideia era hostilizar o austríaco, de popularidade ascendente após "Conan, o Bárbaro", e continuar a busca pelo protagonista de sua história: um soldado enviado ao passado para enfrentar um androide assassino.
Cameron, no entanto, ficou fascinado com Schwarzenegger. Sua voz de sotaque carregado, seu porte físico de super-herói de quadrinhos, e começou a desenhar seu rosto enquanto eles conversavam. Ao fim do encontro, o diretor estava convencido que Arnold não seria seu herói, mas que ele seria perfeito como um vilão inumano.
Lançado em outubro de 1984, "O Exterminador do Futuro", Arnold Schwarzenegger à frente, passou de produção B mirando entusiastas do cinema de gênero a uma das maiores obras de ficção científica da história do cinema. Um filme amplamente imitado, inspiração para toda uma geração, mas jamais alcançado. Uma obra que hoje, quatro décadas depois, espelha de forma assustadora a tecnologia do mundo real.
O coração da ideia está na criação da inteligência artificial. Na trama escrita por Cameron, partindo de uma ideia sugerida em um sonho febril, um androide de pensamento independente é enviado de um futuro dominado por máquinas inteligentes para o passado com uma missão: eliminar o líder da resistência humana na guerra contra a IA antes mesmo de ele nascer. Um guerreiro solitário, parte dessa mesma resistência, o segue para detê-lo.
A ideia, claro, não surgiu do éter. Cameron, entusiasta de fantasia e ficção científica, já trabalhava no estúdio do produtor Roger Corman, assinando a direção de arte de "Mercenários das Galáxias" e "Galáxia do Terror", quando escreveu o primeiro rascunho de "The Terminator", nome original de "O Exterminador do Futuro". Sua inspiração, além da série de TV "A Quinta Dimensão", foram os filmes "Halloween" e "Mad Max 2".
Ao lapidar suas ideias com o roteirista William Wisher, Cameron bateu na porta de diversos estúdios e enfileirou respostas negativas. A única pessoa que enxergou o potencial do filme foi Gale Anne Hurd, outra cria da "escola" Roger Corman, que assumiu a produção e comprou o roteiro por US$ 1 (R$ 5,70) —a contrapartida seria Cameron assumir a direção do projeto.
A peregrinação de Hurd terminou com um acordo de distribuição com a Orion Pictures e o financiamento de US$ 6,5 milhões (R$ 37,5 milhões) bancado pela produtora Hemdale ao lado de alguns parceiros internacionais. Com Schwarzenegger à frente como o androide do futuro, Cameron testou outros nomes para o papel de Kyle Reese (o soldado enviado no tempo para combater o exterminador) antes de fechar com Michael Biehn. Já Sarah Connor, futura mãe do líder da resistência, foi defendida por Linda Hamilton.
O adiamento de nove meses das filmagens, causado quando o produtor Dino De Laurentiis rodou "Conan, o Destruidor" com Schwarzenegger, terminou sendo benéfico. Cameron e sua equipe puderam aperfeiçoar os efeitos visuais que incluíam a construção do endoesqueleto metálico do Exterminador e as sequências que retratavam a guerra do futuro entre humanos e máquinas. Nesse meio tempo, o diretor escreveu "Rambo 2 - A Missão" e colocou em movimento as engrenagens que resultariam em "Aliens".
As filmagens de "O Exterminador do Futuro" começaram em março de 1984 em Los Angeles, com boa parte do trabalho realizada à noite até pouco antes do nascer do Sol. Aos poucos, os céticos em relação ao projeto —inclusive o próprio Schwarzenegger— perceberam que Cameron estava longe de ter criado apenas mais um filme B de ação. Quando encerrou sua carreira no cinema, "O Exterminador do Futuro" passou de aposta de baixo orçamento a um sucesso de quase US$ 80 milhões (R$ 460 milhões).
Assim como o próprio Exterminador, o filme de James Cameron trazia camadas muito além de sua superfície. A figura robótica de Schwarzenegger, irrefreável e desprovida de emoções, trouxe, ao lado da empolgação pela brutalidade de fantasia, uma discussão sobre masculinidade sob o prisma do artificialismo. A mistura de paranoia e violência espelhava anseios da sociedade americana nos anos 1980, que então vivia sob a sombra do fim do "sonho americano".
Ao abrir uma janela para o horror que a humanidade esperava no futuro, o filme sugeria uma reflexão no presente, mesmo sem oferecer uma saída ou um lampejo de esperança. O círculo só seria fechado em 1991, quando Cameron e Schwarzenegger se reuniram em "O Exterminador do Futuro 2", agora com o personagem de Arnold reapresentado como herói. Os dois filmes trazem uma história completa, fechando o arco dramático de Sarah Connor e fazendo do futuro uma incógnita.
Fora das mãos de Cameron, porém, a marca perdurou, saltando por diferentes estúdios e produtoras que espremeram o conceito em uma série de TV ("The Sarah Connor Chronicles") e em cinco filmes que fizeram muita força para —à exceção de "O Exterminador do Futuro - A Salvação"— justificar a presença de Schwarzenegger como um androide de cabelos grisalhos sofrendo a ação inexorável do tempo.
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Quero receberA longevidade de "O Exterminador do Futuro", contudo, é incontestável. O filme entrou no léxico da cultura pop e foi além: não existe avanço da inteligência artificial, das criações mecânicas da Boston Dynamics ao anúncio recente dos robôs domésticos da Tesla, que não traga em seu rastro uma piada com a Skynet, o sistema de computadores que, na distopia bolada por Cameron, decreta o fim da humanidade.
O futuro é tão implacável quanto o androide assassino imortalizado por Arnold Schwarzenegger. Quando a ficção de ontem se parece cada vez mais com a realidade de hoje, a lição que a fantasia ensina é clara: máquinas com pensamento independente talvez não sejam a mais brilhante das ideias. Mesmo que elas não precisem da silhueta musculosa do astro austríaco para se tornarem reais.
Curiosamente, James Cameron acredita que o avanço da inteligência artificial é pior do que ele profetizou em sua distopia. Em uma mensagem transmitida recentemente no encontro AI + Robotics pelo SCSP, entidade que mapeia os avanços de inteligência artificial e tecnologias emergentes, o diretor disse não acreditar que um sistema teoricamente capaz de raciocinar como seres humanos surgirá como estratégia de defeso do governo.
"Ele vai emergir de uma das empresas gigantes de tecnologia atualmente investindo bilhões de dólares nessa pesquisa", disse. "Então estaremos vivendo num mundo que a gente não escolheu viver, obedecendo a líderes que não foram eleitos, dividindo espaço com uma espécie alienígena superinteligente que só responde aos objetivos e regras de uma corporação." Um futuro que não pode ser impedido por nenhum guerreiro solitário —humano ou não.
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