'Gladiador 2': Ridley Scott cria épico pop, excêntrico e muito divertido
A ideia de continuar "Gladiador" sempre pareceu, ao menos em teoria, absurda. O épico de Ridley Scott ajudou a abrir o milênio, fez de Russell Crowe um astro e trazia sua jornada de vingança em um círculo completo, encerrado com a morte de seu personagem, o general caído Maximus.
A aventura faturou cinco Oscar (inclusive melhor filme e ator), cravou seu lugar na cultura pop e repousou após uma trajetória bacana. Hollywood, claro, não estava nem aí.
Em 2001, um ano depois de sua estreia, Scott já flertava com uma continuação de "Gladiador". Em uma ideia que eu lamentarei para sempre não ter vingado, Nick Cave (sim, o músico) bolou uma história com Maximus no purgatório, ressuscitado como um guerreiro imortal com a missão de assassinar Jesus Cristo em nome dos deuses romanos.
Em vez disso, o diretor optou por uma continuação mais tradicional que reapresenta personagens familiares sob uma nova ótica. Ah... e que coloca tubarões no Coliseu
Paul Mescal é Hanno, lapidado como guerreiro na Namíbia (região do norte da África onde hoje se encontra parte da Argélia), à frente de uma legião contra invasores romanos liderados pelo general Acacius (Pedro Pascal).
Conforme praxe no manual de épicos de Ridley Scott, "Gladiador 2" começa com uma batalha épica que termina com a morte da esposa de Hanno, que por sua vez é escravizado.
Vendido como gladiador para Macrimus (Denzel Washington), figura de passado misterioso com conexões entre a elite de Roma, Hanno se destaca por suas habilidades de combate e liderança e logo é despachado a caminho de Roma para demonstrar suas habilidades no Coliseu.
Seu "senhor", por sua vez, nutre suas próprias ambições que envolvem, por fim, o trono, então dividido pelos irmãos imperadores Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger).
A essa altura não é nenhuma surpresa que Hanno é, na verdade, Lucius Verus, filho de Maximus, removido de Roma quase duas décadas antes por sua mãe, Lucilla (Connie Nielsen), que temia pela segurança do herdeiro legítimo do império.
O sentimento de abandono alimentado nesse exílio o faz renegar seu passado, mas o destino agora o aponta na direção de sua própria vingança. Espadas e sandálias inclusas.
Até então, "Gladiador 2" segue a cartilha de seu antecessor, mesmo não fugindo do legado duvidoso de boa parte das continuações. O tom aqui é menos solene, a trama é arquitetada como uma jornada de vingança protocolar, trazendo nas entrelinhas o enfrentamento de Lucius com suas origens.
Como bônus, corrupção, manipulação e poder nos bastidores da corte romana em uma grande salada histórica —mesmo que os imperadores e Lucilla tenham inspiração em figuras reais.
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Quero receberMas não tarda para Ridley Scott dobrar a aposta, o que acontece quando o Coliseu, em meio aos jogos sangrentos que celebram as vitórias de Roma, é inundado para uma simulação de batalha naval.
Se a sequência parece o espetáculo de dublês dos parques da Universal inspirado em "WaterWorld", o exagero era real na Roma antiga, com barcos de fundo achatado "navegando" na arena submersa. Mas quando tubarões devoram gladiadores arremessados no piscinão, fica claro que, em "Gladiador 2", vale tudo. Até tubarões no Coliseu.
A partir daí, qualquer semblante de seriedade vai para o espaço e o filme se assume como uma experiência cafonérrima, empolgante e divertidíssima.
Para ser sincero, não faria o menor sentido buscar qualquer profundidade depois de quase um quarto de século sob a sombra de pérolas como "O que fazemos na vida ecoa na eternidade". O importante aqui é saborear um espetáculo à moda antiga, executado por um dos últimos diretores a dominar essa forma de arte.
O elenco, felizmente, está 100% no jogo. Paul Mescal, popularizado como o ator do momento em filmes "de arte" como "Aftersun" e "Todos Nós Desconhecidos", surge aqui como um tanque de músculos rivalizando a brutalidade (e a seriedade) de Russel Crowe.
Pedro Pascal é protocolar como o general que busca encerrar a sede de sangue de Roma, um contraponto à Quinn e Hechinger, que fazem de seus imperadores um par de rockstars perpetuamente chapados.
Denzel Washington, por sua vez, é o MVP, abraçando a malícia e os tons homoeróticos de Macrimus sem abandonar o sotaque nova-iorquino.
É o caso de um ator claramente se divertindo com um papel excêntrico, mantendo em todo momento o controle de seu ofício. Denzel é uma preciosidade como ator, não importa o filme ou o gênero, e traz aqui boas lições de como calibrar a arte do exagero.
Quando as luzes acenderam, "Gladiador 2" me lembrou a dobradinha dos anos 1950 "O Manto Sagrado" e "Demétrio e os Gladiadores". O primeiro foi um sucesso do cinema épico religioso, inaugurando o formato CinemaScope com Richard Burton trazendo densidade ao papel do tribuno militar transfigurado pela figura do Cristo. A continuação encabeçada por Victor Mature reposicionou o foco para o espetáculo na arena e a trama de redenção.
"Gladiador 2" terá dificilmente o mesmo impacto do filme de 2000, ou a mesma consagração. Não é nenhum pecado, contudo, Ridley Scott ter engendrado um épico de ambições artísticas modestas. Honestamente, já é motivo de celebração o diretor trazer ao cinema um candidato a blockbuster elegante, honesto e sem a menor hesitação em abraçar o espetáculo. E eu mencionei que ele colocou tubarões no Coliseu? Então tá.
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