'Herege': Hugh Grant questiona a veracidade da fé em bom terror religioso
Existe prazer perverso em ver Hugh Grant assumindo o papel de "vilão" em um filme de terror sem alterar em um milímetro o seu estilo dramático. É desconfortável e também surpreendente, já que fica impossível adivinhar seu próximo movimento.
A escalação do astro de "Um Lugar Chamado Notting Hill" e "Simplesmente Amor" é um dos muitos acertos de "Herege", criação da dupla Scott Beck e Bryan Wood, que ganham aqui um momento de redenção após dirigir o desastroso "65 - Ameaça Pré-Histórica", trocando o escopo épico do candidato (furado) a blockbuster por uma ambientação mais modesta, ainda que enigmática e sufocante.
Talvez sejam esses os principais atributos da casa de um certo Sr. Reed (Grant), que recebe com alegria duas missionárias mórmon (Sophie Thatcher e Chloe East). Elas pretendem pregar sua fé e conseguir novos convertidos; ele parece curioso, entusiasmado e questionador.
O tom salta de desconfortável a sinistro quando Reed, ardiloso ao atraí-las para sua casa, envolve as jovens em um jogo que coloca sua religião —e sua fé— na berlinda.
Beck e Wood desenham com habilidade uma atmosfera tão sufocante quanto a casa, a essa altura revelada como uma prisão intrincada e perversa para jogos psicológicos.
O plano de Reed é, aos poucos, desconstruir os dogmas sob os quais as jovens ergueram sua fé —as jovens, por sua vez, percebem a arapuca e desenham, em vão, um plano de fuga. O resultado, elas já desconfiam, não será sua liberdade.
Na contramão do terror de sustos fáceis que parece impregnar o gênero, "Herege" é construído em diálogos. Hugh Grant parece particularmente entretido com a entonação levemente diabólica que ele empresta a seu personagem, questionando o valor de cada religião cristã e suas histórias coincidentes com senso de humor mordaz.
Mesmo que suas presas por vezes rebatam sua verborragia, o recado fica claro: se não existe Deus, suas preces são vazias.
Ainda que "Herege" pese no texto, o filme não abandona a dobradinha sangue e violência que atrai os devotos do gênero. Existe o cuidado, contudo, em não deixar as ideias de lado para abraçar o slasher, mesmo quando o mistério revelado não faça muito sentido e os diretores apelem para um ex machina sem vergonha no clímax.
Seu maior predicado, no entanto, é ser um filme de terror religioso que não descamba para os clichês. Não há corpos possuídos ou entidades demoníacas, não existe a presença do sobrenatural ou soluções místicas.
"Herege" ganha pontos em ser pop (as referências vão de Radiohead ao gibi do Monstro do Pântano) e enxuto e ao fazer a plateia questionar suas crenças. Nem precisava ir tão longe: Hugh Grant como um fanático passivo agressivo, tenha fé, vale uma espiada.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.