Roberto Sadovski

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Opinião

Lenny Kravitz celebra espiritualidade em show correto e de muitos acertos

"Desculpem, eu estava tentando chegar até vocês." Lenny Kravitz já coroava o bis de um show intenso com "Let Love Rule", single de seu álbum homônimo de estreia, quando decidiu abraçar a turma na pista do Allianz Parque, em São Paulo, no sábado (23). Desceu do palco e, cercado de seguranças, fez sua firula. O público, claro, adorou.

Lenny, por óbvio, entende desse riscado de ser rockstar — ou popstar, questão de ângulo. Veterano com 35 anos de carreira e 40 milhões de álbuns vendidos, quando números tão expressivos ainda significavam alguma coisa, ele soube desde o começo envelopar sua música — uma mistura que vai de Hendrix a Curtis Mayfield, uma pitada de soul, synth pop e muito rock de arena — em um pacote sexy e sofisticado. O "produto" que Lenny vende melhor é o próprio Lenny.

Ao vivo, felizmente, a mistura tem mais prós do que erros. Kravitz pode não ter grandes álbuns, mas acerta no artesanato de ótimos singles. A noite amena num Allianz cheio, mas longe de estar lotado, abriu com a boa "Bring It On", de "It's Time for a Revolution", e seguiu a cartilha do pop moderno, com um palco extremamente bem produzido e uma banda absurdamente afiada.

Ainda assim, a plateia começou morna, decodificando aos poucos o setlist escolhido por Kravitz. Quando ele soltou a doce "Stillness of Heart" e entregou os vocais ao público por longos minutos, a turma respondeu de acordo. "Human", single do novo álbum, "Blue Electric Light", mostrou-se uma adição poderosa à lista de hits do cantor. A partir dela o show engrenou uma segunda, seus picos de entusiasmo entrecortados por alguns vales de indiferença.

A consulta ao celular se intensificava quando Kravitz arriscava alguma canção com menos personalidade, como a baladinha de autoajuda "Believe" ou a correta "Low", que parece trilha de anúncio de calça jeans dos anos 2000. Quem foi checar as redes sociais, contudo, perdeu a versão matadora de "Fear", também de seu álbum de estreia, que mostrou o entrosamento de sua banda em raro momento que o show permite algum improviso — existe beleza em metais soprados por pulmões humanos e não saídos de sintetizador.

Lenny Kravitz se apresenta em São Paulo, na noite de sábado (23), no Allianz Parque
Lenny Kravitz se apresenta em São Paulo, na noite de sábado (23), no Allianz Parque Imagem: Fernando Schlaeper/30e

Em meio à música, Lenny se mostra um showman completo. Ele se move pelo palco com a confiança — e a estampa — de um modelo na passarela. Quando toma o microfone para dizer o quanto está feliz em voltar ao país, cada frase brota de uma voz grave e bem compassada. A forma física invejável é convite para a turma se matricular na academia no dia seguinte. Kravitz faz da sedução de seu público uma forma de arte.

A apresentação intensa de Lenny Kravitz na noite de sábado (23), em São Paulo
A apresentação intensa de Lenny Kravitz na noite de sábado (23), em São Paulo Imagem: Fernando Schlaeper/30e

Seus predicados, contudo, não escondem o fato de ele ser um artista dúbio. A turma roqueira por vezes o considera pop demais; já a massa radiofônica acha que ele é alternativo demais. Alheio a essa balança, Lenny Kravitz arrisca com sua música uma abordagem dos caminhos da fé na condição humana, abraçando em sua arte relacionamentos e sua própria identidade e crescimento espiritual.

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Quando a música vai para esse lugar pessoal, a conexão é mais forte. Foi assim do hit "It Ain't Over 'Til It's Over" até o encerramento apoteótico com "Are You Gonna Go My Way", passando pelas inevitáveis — e festejadas — "Always on the Run", "American Woman" e "Fly Away". Foi a festa do Y2K em total ritmo de nostalgia.

O show de Lenny Kravitz em São Paulo
O show de Lenny Kravitz em São Paulo Imagem: Fernando Schlaeper/30e

Ser astro profissional consta no currículo de Lenny há décadas, e sua apresentação — intensa e grandiosa — é reflexo dessa estrada. No Brasil, contudo, ele parece verdadeiramente confortável, as intervenções soam genuínas. Não é à toa: em 2007, pouco depois de sua primeira visita, o músico comprou uma fazenda no interior do Rio de Janeiro: "O Brasil fez de mim um fazendeiro". Em São Paulo, quem diria, Lenny Kravitz reencontrou o caminho de casa.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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