Roberto Sadovski

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Exclusivo: Campeão do UFC Lyoto Machida invade set de 'Shaolin do Sertão 2'

"O gato fugiu!" A tarde vai caindo numa olaria em Aquiraz, município na região metropolitana de Fortaleza. A poeira que cobre o espaço soma-se ao calor que transforma o imenso galpão, cercado de fornos, em uma estufa. O desconforto, contudo, não cola na equipe liderada pelo diretor Halder Gomes, que escolheu o lugar como cenário do clímax de "O Shaolin do Sertão 2".

"Queria um lugar rústico, bruto, que tivesse um clima como o Coliseu", explica Halder sobre sua inspiração. O gato fujão, capturado brevemente em um take, é parte dessa referência/homenagem a "O Voo do Dragão", em que Bruce Lee enfrenta Chuck Norris nas ruínas do estádio romano que um dia abrigou poderosos gladiadores.

O combate que testemunhei em meio à poeira e ao calor foi igualmente épico. De um lado, Edmilson Filho, retomando o personagem que ele defendeu em "O Shaolin do Sertão", em 2016.

Do outro, o adversário mais casca-grossa que ele poderia enfrentar: o campeão do UFC Lyoto Machida, uma máquina de músculos e determinação —e indiscutível arma secreta da produção. Halder posiciona os dois e comanda o set. Vai som. Câmeras. Fight!

Edmilson Filho e Lyoto Machida repassam a coreografia de sua batalha final
Edmilson Filho e Lyoto Machida repassam a coreografia de sua batalha final Imagem: Ricardo Damito

A ideia de trazer Machida como principal adversário de Edmilson em uma continuação de "Shaolin" existe desde que os dois se conheceram em Los Angeles. Enquanto competia e escalava categorias no UFC, Lyoto se aventurou atrás das câmeras em produções modestas de artes marciais.

São filmes que formam quase um subgênero nos Estados Unidos e atraem dúzias de profissionais do ringue e do tatame para demonstrar suas habilidades na ficção.

As artes marciais foram o gatilho para a carreira de Edmilson Filho. Tricampeão de taekwondo, o astro de "Cine" se mudou para a Califórnia, em 2002, onde se dividiu entre competições e o audiovisual.

Sentar com Edmilson, Lyoto e Halder para um papo é viajar no tempo com uma turma catequizada pelo cinema de ação dos anos 1980 e seus astros —paixão que agora se entrelaça no cinema de sotaque cearense.

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"O primeiro 'Shaolin' é uma bifurcação de quem nós somos", filosofa Halder. Ele explica que o personagem de Edmilson, Aluisio Li, é a materialização dos sonhos do garoto que assistia aos filmes e queria ser lutador na vida real.

Ele seria a filosofia das artes marciais que, no primeiro filme, tem o choque da realidade quando enfrenta o lutador Tora Pleura (Fábio Goulart). "Ter Lyoto no novo filme valida a jornada", continua o diretor. "Ele é o único lutador da tradição, real, um contraste bacana com o lúdico."

Até inimigos mortais descansam e conferem as cenas com o diretor Halder Gomes (no centro, de máscara)
Até inimigos mortais descansam e conferem as cenas com o diretor Halder Gomes (no centro, de máscara) Imagem: Ricardo Damito

Filmar cenas de luta é um processo técnico que exige uma dose generosa de preparação. Em "Shaolin 2", Aluísio fica desiludido com a essência das artes marciais após sua vitória contra Tora Pleura, e parte numa jornada para recuperar seu mojo, enfrentando uma série de adversários até encarar o lendário campeão Kanako Musashi, papel de Lyoto Machida.

Halder Gomes, aninhado atrás de uma parede de monitores, comanda o fluxo de três câmeras que capturam a ação simultaneamente. É um processo delicado em que cada pedacinho da luta é filmado de formas, ângulos e velocidades diferentes. A coreografia foi desenhada por Edmilson Filho, que filmou a rotina e enviou para Lyoto.

Quando o campeão chegou para as filmagens em Fortaleza, eles ensaiaram por um dia. "Ele pegou tudo muito rápido e não mudou nada", lembra Edmilson.

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Ainda assim, mesmo que seja simulada, uma luta é uma luta. Machida traz a firmeza de um lutador profissional e experiente e isso faz toda diferença. Cada fragmento do combate é capturado com velocidade, e ao fim da diária de filmagens os dois combatentes então encharcados de suor.

Cada intervalo pede uma cadeira e cinco minutos se refrescando com um ventilador. Depois de uma sequência particularmente brutal, Edmilson vai ao chão e dispara: "Fui pro Céu!". Esta tudo sob controle, faz parte do show!

Este repórter flagrado entre Edmilson Filho e Lyoto Machida
Este repórter flagrado entre Edmilson Filho e Lyoto Machida Imagem: Ricardo Damito

Uma das percepções equivocadas acerca de "O Shaolin do Sertão" foram as comparações com as comédias estreladas pelos Trapalhões nos anos 1970 e 1980. Didi e Cia. tinham, sim, rotinas físicas com seus adversários, mas os movimentos se assemelhavam a malabarismos de palhaços no circo, não uma coreografia de artes marciais.

"Não estamos fazendo uma comédia de ação", corrige Halder. "É um filme de artes marciais com risadas costuradas no meio."

A fórmula funcionou. Em 2016, "O Shaolin do Sertão" levou mais de meio milhão de pessoas aos cinemas. Embora a parceria mais celebrada do diretor com Edmilson Filho seja "Cine Holliúdy", que rendeu uma continuação e, depois, uma série na Globo, é Aluísio Li o personagem em maior demanda pelos fãs de seu cinema. "Fiz 'Shaolin 2' para ter paz na vida", brinca Halder.

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Da série "John Wick" a "Anônimo", que fez de Bob Oedenkirk um lutador, as artes marciais voltaram a fazer parte do cinema de ação. Halder tem um olhar mais nostálgico, ressaltando que "Shaolin 2" presta homenagem aos ídolos que formaram parte de sua geração: Bruce Lee, Jackie Chan, Chuck Norris e Jean-Claude Van Damme.

"E a gente não esquece de Daniel-San", brinca Edmilson. Quando pergunto se existe o risco de o público traçar algum paralelo entre um filme nacional e uma produção gringa milionária, o diretor vai na lata: "Eles não têm nossa fuleiragem!'.

O tempo fechou entre Aluísio Li e Kanako Musashi... Fuleiragem!
O tempo fechou entre Aluísio Li e Kanako Musashi... Fuleiragem! Imagem: Ricardo Damito

Esse senso de humor peculiar, que inclusive tem transformado o Ceará em um polo cinematográfico pulsante, é parte do DNA de "O Shaolin do Sertão 2" e parece contagiar toda equipe.

Não importa o calor, a poeira ou as longas diárias, a turma sente que está construindo algo especial, de apelo universal sem perder a conexão com nossas raízes. No fim do dia, ao deixar o set, pergunto a uma pessoa da equipe se acharam o gato. "Acharam, mas ele fugiu de novo." Que fuleiragem!

*O jornalista viajou a convite da produção do filme.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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