Roberto Sadovski

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Opinião

O que vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro ensina ao nosso cinema

Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro como melhor atriz na categoria drama. Como somos brasileiros, celebramos como se fosse vitória da seleção. E meio que é: pela primeira vez o cinema brasileiro ganha um holofote na festa dos vizinhos lá de cima, mostrando ao mundo, ao vivo e na TV, a força de uma de nossas atrizes mais espetaculares.

A vitória de Fernanda foi uma das poucas surpresas em uma cerimônia até então modorrenta, marcada por apresentadores desconfortáveis com o texto pavoroso e pela produção desleixada. Mas tudo bem. Em meio ao caos, ela atropelou as estrelas Nicole Kidman (por "Babygirl") e Angelina Jolie ("Maria Callas"), puxou o tapete da volta por cima de Pamela Anderson ("The Last Showgirl") e ganhou fãs entusiasmadas em Tilda Swinton "O Quarto ao Lado") e Kate Winslet ("Lee").

Foi a cereja no bolo que, até então, já estava devidamente regado a champanhe. Ao longo da trajetória de Fernanda - e do drama "Ainda Estou Aqui" -, tanto a atriz quanto o diretor Walter Salles deixaram claro que o fato de ter uma indicação já era para ser celebrado. Garfar uma estatueta em uma cerimônia feita por eles e para eles, contudo, abre mais janelas para que a produção audiovisual brasileira atravesse nossas fronteiras.

Essa internacionalização é importantíssima, porque com ela vem o desejo em ver mais histórias com nosso DNA - "Fale de sua aldeia e estará falando do mundo", disse Tolstoi. É um efeito dominó, que pode resultar em mais investimento e um maior fortalecimento de nossa indústria. Até porque cinema é uma expressão artística, mas também um núcleo de produção que precisa ser nutrido. É aqui que a tolice da divisão de cinema " de arte" e "comercial" precisa ser apagada.

A jornada de "Ainda Estou Aqui", que culminou com o Globo de Ouro para Fernanda Torres, é resultado de uma ação conjunta que começa no desenvolvimento criativo de um projeto e se ramifica como empreendimento corporativo. É preciso investimento para bancar uma campanha, para fazer com que as pessoas certas assistam ao filme, e isso depende de uma ação conjunta entre os talentos artísticos e o estúdio versado nos pormenores de uma campanha.

Enxergar o cinema como produto, de forma profissional, de forma alguma arranha as qualidades artísticas de "Ainda Estou Aqui". Pelo contrário, o engajamento pós-lançamento, que aspira também o reconhecimento internacional, só foi disparado porque o trabalho de Walter Salles é uma pérola, um filme emocionante, que abraça um dos períodos mais sombrios de nossa história - a ditadura militar - sob o prisma universal de uma tragédia familiar.

O Brasil, claro, viu no filme um espelho incômodo e necessário, e transformou "Ainda Estou Aqui" em um sucesso que já levou mais de 3 milhões de pessoas aos cinemas. O efeito cascata é recuperar o interesse do brasileiro em se ouvir na sala escura. "O Auto da Compadecida 2", lançado no dia do Natal, já cruzou a barreira de um milhão de pessoas nos cinemas. Filmes que miram em públicos diversos, como "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa" e "Baby", podem - e devem - despertar o mesmo interesse.

Claro que muita gente queria uma vitória completa, com a consagração de "Ainda Estou Aqui" também como melhor filme internacional. Não foi desta vez. O Globo de Ouro na categoria foi para "Emilia Pérez", que também sagrou-se como melhor filme na categoria musical/comédia, melhor atriz coadjuvante (Zoe Saldaña) e melhor canção ("El Mal").

O ótimo filme de Jacques Audiard sai da cerimônia do Globo de Ouro bem credenciado para o Oscar, disputando o favoritismo cabeça a cabeça com "O Brutalista" (vencedor como melhor filme - categoria drama, melhor direção e melhor ator para Adrien Brody).

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A vitória de Fernanda Torres, contudo, aumenta sua visibilidade e chama a atenção dos votantes para o prêmio da Academia. Sonhar a gente pode - tanto que cá estamos, comemorando. Deixo para vocês completarem o provável diálogo no dia seguinte em Los Angeles: "Menina, você viu a Fernanda Torres no after party do Globo de Ouro?" É com você, Brasil!

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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