Querem polemizar Fernanda Torres? Ótimo, significa que o Oscar já é nosso!
A temporada de premiações na metade de cima do hemisfério, que culmina com a festa do Oscar, costuma ser uma batalha cruel. Mal os indicados à estatueta dourada são anunciados e uma tropa de abutres passa a esmiuçar cada vírgula de seu passado, em busca de qualquer coisa que possa desequilibrar a balança.
Com Fernanda Torres indicada ao Oscar de melhor atriz por sua performance em "Ainda Estou Aqui", seu trabalho no cinema e na TV ao longo de uma carreira brilhante foi para o microscópio. Tudo que encontraram foi uma esquete exibida há quase duas décadas no Fantástico (Globo), em que a atriz interpreta o papel duplo de uma dona de casa (branca) e uma empregada doméstica (negra). A prática de pintar o corpo é chamada blackface.
A resposta de Fernanda Torres ao ressurgimento online da esquete, desculpando-se por aparecer com blackface, foi rápida e elegante. "É importante abordar isso rapidamente para evitar mais dor e confusão", disse, em nota. "Naquela época, apesar dos esforços dos movimentos e organizações negras, a conscientização sobre a história racista e o simbolismo do blackface ainda não havia entrado na consciência pública dominante do Brasil."
A disputa pelo Oscar, além de sua carga comercial dentro da indústria do cinema, faz aflorar um sentimento de competição, notadamente entre fãs mais ardorosos dos artistas indicados, que não condiz com o espírito de celebração da festa. Tudo bem, é do jogo, mas não significa que o jogo seja sempre limpo: todos os indicados verão seu passado revirado nas próximas semanas.
Claro que o blackface, que remete a um passado racista da indústria do entretenimento americana, poderia alterar a preferência de alguns membros da Academia. No caso de Fernanda Torres, a reação enfática, honesta e ligeira parece ter encerrado o caso.
A notícia não teve muita tração nos veículos especializados e logo esvaziou-se online. Como a votação para o Oscar será iniciada somente em 11 de fevereiro, e com a campanha de "Ainda Estou Aqui" já engatando uma segunda, a esquete dificilmente terá causado algum dano permanente.
A essa altura, qualquer um que arriscar alguma previsão sobre os resultados da cerimônia da Academia, agendada para 2 de março, estará patinando no vazio. O Oscar pode, por vezes, seguir padrões e estatísticas, mas ano após ano essas previsões se mostram desacertadas. A própria indicação de "Ainda Estou Aqui" como melhor filme, provavelmente a maior surpresa da temporada, é prova de que nada está definido.
Enquanto isso, o ambiente online segue como terreno para os abutres afiarem seus bicos. Seja com as não polêmicas do uso de inteligência artificial na pós-produção de "O Brutalista" e "Emilia Pérez", seja em vídeos jurássicos (e bastante controversos) envolvendo Demi Moore, cada dia até a festa será mais um dia para supostos pecados de dúzias de artistas serem postos à luz.
Em relação a Fernanda Torres e "Ainda Estou Aqui", a sensação é que, desde a vitória da atriz no Globo de Ouro, e a estreia comercial do drama de Walter Salles nos Estados Unidos, existe uma onda crescente de simpatia. Mais pessoas estão vendo o filme —por tabela, mais votantes da Academia—, e as reações têm sido positivas. Quando vejo Fernanda respondendo a polêmicas que já teriam idade legal para dirigir, a impressão é que ela passou de candidata surpresa a concorrente de peso. Isso assusta.
De qualquer forma, ainda é muito cedo para cravar qualquer resultado. O Oscar é volátil, cada dia é um novo momento, e a disposição dos votantes pode sempre mudar. Se a cerimônia fosse hoje, talvez Demi Moore, depois de seu discurso honesto e emocionante no Globo de Ouro, saísse vencedora. O tempo, contudo, parece estar do nosso lado, e o movimento de "Ainda Estou Aqui" é crescente. Eu sou otimista e sinto que pelo menos uma estatueta será verde e amarela. O Oscar vem!
75 comentários
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Wanderley de Oliveira Chesna
Só de ver os comentários dos derrotados defensores de ditadura e golpe de Estado já vale mais que o Oscar , assistam o filme e vejam o que defendem
Maria das Graças
É preciso tomar cuidado com esse sentimento de confiança. Brasileiro tem constante mania de perseguição e provavelmente haverá o manjado posicionamento de que ou ganha ou é roubo. Acabemos com essa coisa de que brasileiro não perde, vamos torcer, mas sem arrogância.
Paulo Mello
Filme e elenco já vencedores! Estão merecidamente junto dos melhores do mundo, depois de vencerem no Satellite Awards, no Globo de Ouro e no Festival de Veneza, onde o filme foi aplaudido por 10 minutos. Não há vitória igual no Brasil, são motivo de orgulho nacional e internacional!