Roberto Sadovski

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Opinião

'Se7en' volta aos cinemas para te surpreender como se fosse a primeira vez

Eu me lembro exatamente da primeira vez que assisti a "Se7en", quase três décadas atrás. Se Brad Pitt era o astro do momento, e Morgan Freeman surfava uma nova onda de popularidade depois de "Um Sonho de Liberdade", o diretor David Fincher trazia "Alien³" e um ponto de interrogação enorme no currículo. Mas o trailer prometia e, como moleque cinéfilo que topava tudo, entrei na sessão pronto para mais um thriller eficiente e esquecível.

Nada como estar absurdamente errado. Pouco mais de duas horas depois, deixei a sala escura totalmente perturbado, zonzo e ainda tentando compreender o que acabara de ver. Com "Se7en", Fincher não só reescreveu a cartilha do thriller urbano —gerando ao longo dos anos uma penca de imitadores— como elevou a régua de seu próprio trabalho. Meticuloso, ele sabe que a construção da atmosfera é tão importante quanto o desenvolvimento da própria história.

Brad pitt e Morgan Freeman em 'Se7en'
Brad pitt e Morgan Freeman em 'Se7en' Imagem: Warner

Para celebrar seus 30 anos, "Se7en" retorna aos cinemas em curtíssima temporada e com moldura de luxo: se puder, busque uma sessão em Imax e aproveite uma experiência sufocante, imersiva e apavorante. É curioso, acrescento, pensar que o filme de Fincher foi lançado em um já distante 1995, quando gerações de cinéfilos sequer haviam nascido! Aproveitar essa história em tela grande —e, talvez, pela primeira vez— é oportunidade única.

Eu bem sei, já que aquela sessão que encarei quando começava minha vida profissional ficou gravada em um canto sombrio da memória. Ao longo de minha carreira, por três vezes tive a oportunidade de conversar sobre cinema com David Fincher, um privilégio que me fez apreciar ainda mais suas escolhas e seu cinema. Privilégio que tive o prazer de compartilhar com você.

E já que estamos em modo nostálgico, resgatei o texto que escrevi uma década atrás quando "Se7en" completou 20 anos. Se por algum acaso você ainda não assistiu a essa obra-prima moderna, tudo bem. Corra ao cinema, mergulhe no mundo perturbador criado por David Fincher e habitado por Brad Pitt e Morgan Freeman e depois dê um pulo aqui. Estarei esperando!

Brad Pitt em 'Se7en'
Brad Pitt em 'Se7en' Imagem: Warner

Texto publicado originalmente em 22 de setembro de 2015.

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"O filme da cabeça na caixa." O roteiro escrito por Andrew Kevin Walker começou a circular por Hollywood no começo dos anos 1990, depois de o escritor, então um novato, ter passado dois anos trabalhando no texto e mais alguns meses ligando para cada agente de Los Angeles que lidasse com histórias de crime. Ainda assim, poucos executivos se referiam ao script como "Seven" (ou "Se7en", na grafia estilizada).

Era mesmo "o filme da cabeça na caixa". Antes de aterrissar na New Line, e nas mãos de David Fincher, a história passou por alguns diretores (David Cronenberg, Guillermo Del Toro) e atores (Denzel Washington, Val Kilmer, Al Pacino, Sylvester Stallone) que disseram não por achar a trama sombria, violenta, amoral e pesada em excesso.

A verdade é que "Se7en", lançado há exatos vinte anos, teria sido um filme bastante diferente se os executivos do estúdio fossem atendidos. O final desolador bolado por Walker (a gente chega já nele) foi amaciado em cinco diferentes conclusões alternativas, cada uma com impacto reduzido e, bem ou mal, um final feliz.

Mas quiseram os deuses do cinema que o texto que chegou às mãos de Fincher fosse uma versão com zero revisão, mantendo a cabeça na caixa em seu lugar de direito. E não adiantou a chiadeira dos homens do dinheiro, já que a condição do então neo astro Brad Pitt para permanecer no projeto fosse a manutenção do final original e da visão sem esperança de Fincher. Às vezes, os mocinhos (do lado de cá) vencem.

Brad Pitt toma um banho em 'Se7en'
Brad Pitt toma um banho em 'Se7en' Imagem: Warner

Pitt foi reunido em cena com Morgan Freeman. Os dois são policiais em uma metrópole anônima, designados para investigar os crimes de um assassino em série, que elimina suas vítimas com encenações grotescas e extremamente violentas dos sete pecados capitais bíblicos —para quem não frequentou as aulas de catecismo, estes são gula, avareza, soberba, preguiça, luxúria, ira e inveja.

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Cada nova vítima, descoberta de maneira brutal, mostra que o tempo para a solução do caso está se esgotando. É quando o texto dá uma guinada espetacular, e o assassino, batizado John Doe (ou João Ninguém), simplesmente se entrega na delegacia de polícia, impulsionando a trama para o clímax mais árido e impactante do cinema mainstream moderno.

"Se7en" é uma coleção de acidentes felizes. Pitt arrebentou a mão em uma cena e Fincher decidiu manter o curativo no roteiro e no filme até o fim. Kevin Spacey, no papel do assassino, teve seu nome e rosto retirados de todo o material promocional, fazendo com que sua presença causasse o máximo de impacto na plateia. Gwyneth Paltrow, convencida pelo então namorado, Pitt, a interpretar sua esposa, representa a falta de esperança dos moradores da metrópole, mesmo sendo sua única fagulha de esperança.

Morgan Freeman explica a lógica de 'Se7en'
Morgan Freeman explica a lógica de 'Se7en' Imagem: Warner

Se você leu até aqui e nunca viu "Se7en", eu espero duas horinhas para que o erro seja consertado? Mas, se você já teve o privilégio de assistir a essa obra-prima moderna, sabe que a cabeça na caixa pertence à própria Gwyneth, catalisadora do final tão perturbador e ainda sem paralelo.

David Fincher, mais do que qualquer um, tinha algo a provar. Egresso da Propaganda Films, produtora que deixou sua marca na publicidade moderna e contava em suas fileiras outros futuros cineastas como Michael Bay, Zack Snyder e Gore Verbinski, ele havia estreado como diretor em "Alien³", e a experiência fora uma das piores de sua carreira.

Quando assinou para dirigir "Se7en", Fincher decidiu que não deixaria os engravatados dos estúdios decidirem o destino de seus filmes, o que lhe deu fama de "difícil" em Hollywood. Pouco importa. Com um orçamento de US$ 33 milhões, "Se7en" faturou cerca de US$ 330 milhões em todo o mundo, e a liberdade do diretor foi assegurada.

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'Se7en' não vai sair de sua cabeça
'Se7en' não vai sair de sua cabeça Imagem: Warner

Seus filmes seguintes —entre eles "Vidas em Jogo", "Clube da Luta", "Zodíaco" e "Os Homens que Não Amavam as Mulheres"— são uma coleção de contos urbanos violentos, e nenhum deles escapa da sombra que o próprio diretor projetou com "Se7en". É o que acontece quando um filme é tão meticulosamente executado, tão recheado de texto e subtexto, metáforas e referências, que a cada nova sessão emerge um detalhe antes despercebido.

O clímax, quando os detetives Mills (Pitt) e Somerset (Freeman) levam o assassino para fora da cidade chuvosa, em meio ao deserto, é uma verdadeira aula de tensão, narrativa, roteiro e edição, elementos combinados num crescendo tão inesperado quanto arrebatador. A cabeça na caixa.

O maior triunfo de "Se7en" ainda é ser um dos filmes sobre um dos assassinos em série mais violentos da história, e ainda assim não testemunhamos nenhum dos crimes sendo executado. É um filme de sugestão, de uma delicadeza macabra, em que uma caixa de papelão aberta no deserto sob uma brisa suave encerra o pior de nossos pesadelos. John Doe diz, a certa altura, que seus feitos serão estudados para sempre. Aqui estamos, duas décadas depois, ainda boquiabertos com o impacto de "Se7en".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

3 comentários

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Louis Nakayama Ohe

3 décadas  Faz tanto tempo que ate o Sadovski se confunde no texto  Nem parece que passou tanto tempo assim e mesmo assim continua uma obra de estética atual

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Danilo Mantey da Silva Gonçalves

O filme todo é muito bom, porém o final é um capítulo a parte... décadas depois ainda sinto a tempestade de emoções da primeira vez.

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