Roberto Sadovski

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Opinião

'Um Filme Minecraft' atesta a falência criativa do blockbuster moderno

O cinema opera milagres. Há relatos de pessoas inspiradas por um filme para partir em viagem. Ou para reconectar amizades há muito perdidas. Quem sabe adotar um cachorro, escrever um livro, plantar uma árvore. É a tal magia, que senti na pele ao fim de "Um Filme Minecraft": quando as luzes acenderam, considerei mudar de profissão.

Filmes ruins, claro, são parte do pacote, mas aqui a coisa atingiu outro patamar. Para uma história que versa sobre o poder da inventividade, "Minecraft" é atestado da falência criativa do blockbuster moderno. Ok, ok, não podemos generalizar. Deixa eu colocar a frase de outra forma: nem toda propriedade intelectual com gazilhões de fãs precisa ser transformada em filme.

Criado em 2011, "Minecraft", o jogo, consiste em um mundo virtual aberto em que participantes não têm objetivo definido. O gameplay coloca jogadores coletando blocos em um cenário 3D para, basicamente, construir seu próprio mundo. Mobs, ou "entidades móveis", podem ser passivos (como vacas e aldeões) ou hostis (aranhas, zumbis etc), mas outros jogadores podem complicar sua vida no modo online.

Jack Black, Jason Momoa e Sebastian Hansen em 'Um Filme Minecraft'
Jack Black, Jason Momoa e Sebastian Hansen em 'Um Filme Minecraft' Imagem: Warner

"Um Filme Minecraft" regurgita com preguiça a estrutura padrão de dúzias de aventuras infantojuvenis. O "herói", no caso, é Steve (Jack Black), que desde criança sonhava em passar seus dias em uma mina —porque, claro, se enfiar num buraco na terra é o sonho de qualquer garoto. Em sua primeira exploração, ele encontra um cubo mágico que o transporta a um lugar habitado por criaturas de ângulos retos —o "Mundo Superior"— e logo descobre ser capaz de construir qualquer coisa que possa imaginar.

Explorando o lugar, Steve encontra um portal para uma terra paralela governada por uma bruxa que pretende levar a escuridão para todos os mundos. Para isso, ela precisa do tal cubo —aqui batizado orbe— que Steve conseguiu enviar à Terra, onde supostamente ficaria longe da influência de forças malignas.

A ação salta para uma cidadezinha nos confins dos EUA, em que um ex-campeão de videogames (Jason Momoa) vive de glórias passadas —e com as contas atrasadas. Ele conhece um garoto (Sebastian Hansen ) que chega ao lugar para reconstruir sua vida ao lado da irmã mais velha (Emma Myers). Uma corretora de imóveis (Danielle Brooks) completa o grupo, que misteriosamente se apossa da orbe e são transportados ao Mundo Superior. Ao lado de Steve, a turma precisa derrotar a bruxa e salvar a todos.

A turma se aventura pelo mundo em blocos de 'Um Filme Minecraft'
A turma se aventura pelo mundo em blocos de 'Um Filme Minecraft' Imagem: Warner
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O diretor Jared Hesse (que dirigiu Jack Black em "Nacho Libre") usa esse fiapo de história para colocar alguma carne nos ossinhos magros do jogo. Só que nem ele, nem os seis (!) roteiristas do filme, se esforçam para fazer a coisa funcionar. "Um Filme Minecraft" não tem charme, graça ou beleza. É uma aventura enfadonha e histérica que esquece o significado da palavra "diversão" —o pior exemplo de produto sem alma ejetado pelos estúdios para garantir lucro fácil.

O elenco não ajuda. Black estacionou no modo "tiozão roqueiro oitentista" e parece dizer sim a qualquer projeto que tenha desculpa para ele cantar. Sem um pingo de cuidado ou desenvolvimento, Myers e Hansen servem unicamente como avatar para o público-alvo adolescente. Brooks parece ansiosa para o tormento terminar —assim como Jennifer Coolidge, no papel de uma diretora de colégio, se esforçando para dar pulso a uma personagem infeliz.

E temos Jason Momoa. Mesmo em um elenco uniformemente em seus piores dias, o astro de "Aquaman" se destaca como o ser humano mais canastrão e sem graça de toda a existência. Tudo bem que seu personagem foi criado para ser irritante e desagradável, mas Momoa não faz menor questão de criar qualquer empatia. Careteiro e gritalhão, ele destoaria até na reunião de elenco de A Praça É Nossa.

Essa legenda, caro leitor, eu deixo em suas mãos...
Essa legenda, caro leitor, eu deixo em suas mãos... Imagem: Warner

Adaptar um pedaço de cultura pop, por mais aleatório, não pode ser desculpa para execução desleixada. "Uma Aventura Lego", por exemplo, fez do popular brinquedo de montar um filme fantástico, e não uma bobagem que deixa neurônios evaporando em agonia. Não há em "Um Filme Minecraft" nenhum movimento criativo além da preocupação em preencher cada pedaço do filme com referências ao jogo.

Para a contabilidade do estúdio, claro, isso deve bastar. Encontrei um amigo na saída da sessão, mencionei minhas horas perdidas e ele foi ligeiro: "Não existe força na Terra que impeça meu filho de ver esse filme". Resignado, busquei consolo no fato de ao menos ter soado o alarme. "Um Filme Minecraft" não me venceu. Bom, pelo menos até a chegada da inevitável continuação.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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