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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Julia Roberts brilha como a fofoqueira da América na série 'Gaslit'

Julia Roberts é uma das estrelas da série - Getty Images
Julia Roberts é uma das estrelas da série Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

10/06/2022 04h00

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Hollywood nunca foi muito bacana com as suas atrizes. Sabemos há muito tempo que só existe espaço para uma estrela acima dos 50 brilhar, e ela se chama Meryl Streep. Às outras, sempre restou sair discretamente de cena. Por onde anda Susan Sarandon, Geena Davis, Sigourney Weaver, Meg Ryan? Mas agora elas não precisam mais se aposentar, porque tem alguém muito interessado nessas veteranas: as plataformas de streaming e suas séries maravilhosas.

É o caso de Julia Roberts, 54 anos, cujo sorriso aprendemos a amar em filmes hoje clássicos da Sessão da Tarde como "Uma Linda Mulher" e "O Casamento do Meu Melhor Amigo". Nos últimos anos, foi difícil para Julia brilhar na tela grande - um "Álbum de Família" aqui, um "Extraordinário" ali, mas nada de realmente extraordinário.

Depois de "Homecoming", na Amazon Prime Video, agora Julia volta iluminada em "Gaslit", nova série da plataforma Starzplay criada a partir de um podcast, Slow Burn. A série traz um novo olhar sobre o escândalo Watergate, que levou o presidente Richard Nixon a renunciar em 1974 antes que sofresse um pesado processo de impeachment. Resumindo: o governo dele, republicano, comandou uma invasão a um escritório do Partido Democrata em Washington, em busca de documentos que pudessem comprometer o inimigo. Os invasores foram presos, as provas da invasão foram aumentando e os ratos foram pulando do barco, dando seus depoimentos em troca de uma pena mais leve e esquentando a chapa para o presidente. Em 1976, o escândalo chegou ao cinema com "Todos os Homens do Presidente", com Robert Redford e Dustin Hoffman, vencedor de quatro Oscars. Mas o filme se concentrava nos jornalistas que investigaram e denunciaram o escândalo, enquanto a nova série se concentra no pessoal que ocupava a Casa Branca.

E onde Julia entra nesse imbróglio? Ela vive uma personagem real, Martha Mitchell, que foi casada com o Procurador Geral da República e braço direito de Nixon, John Mitchell - um Sean Penn quase irreconhecível debaixo de prótese e maquiagem pesada. Martha se tornou a fofoqueira oficial da América nos anos 70 - não recusava nenhum convite para dar uma entrevista e, em vez de ater-se a falar da decoração da casa ou de chás beneficentes, dava sem pudor suas opiniões sobre Nixon e contava tudo o que sabia dos bastidores do poder. Consta que foi até impedida de viajar no Air Force 1, o famoso avião presidencial, para não ficar sabendo do que não devia. John, o marido, tolerou o jeito da esposa enquanto pode, até decide tomar atitudes extremas.

A série não se concentra apenas no casal, mas em outros personagens relevantes do escândalo, como Gordon Liddy, o sujeito que supostamente vendeu a John a ideia da invasão. Liddy é o tipo de sujeito que circula livremente no Palácio do Planalto do governo Bolsonaro: paranoico, vê ameaça comunista em todo lado; comete crimes, invasões e fraudes em nome da pátria; e tem ataques descontrolados quando as coisas não saem como ele quer. Detalhe importante: o próprio Nixon não aparece nunca na série; ele é apenas o poder que paira acima daqueles que acham que fazem parte dele, mas depois precisam correr para que a lama não os afunde.

O termo "gaslighting", bastante usado nos Estados Unidos, descreve quando uma pessoa faz outra questionar sua própria realidade e duvidar daquilo que pensa e acredita - desnecessário dizer que, na maioria dos casos, são homens desacreditando a palavra de suas mulheres. É o que John acaba fazendo com Martha. O termo vem do cinema: "Gaslight" é um filme de 1944 estrelado por Ingrid Bergman em que o marido de sua personagem faz de tudo para ela crer que está louca - no Brasil, o longa chamou-se "À Meia Luz". Hollywood pode estar longe do seu auge, mas ainda dá provas da sua influência por aí.