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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O macho viril está de volta às telas. O que isso diz sobre nós?

Tom Cruise interpreta Pete "Maverick" um dos principais aviadores da Marinha - Reprodução/Instagram
Tom Cruise interpreta Pete "Maverick" um dos principais aviadores da Marinha Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

16/06/2022 04h00

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Eu queria muito poder dizer que o mundo das pautas identitárias e do feminismo cada vez mais forte (no presencial e nas redes) baniu de vez aquele homem antigo, machão, imponente, viril, mais forte que tudo, herdeiro direto dos neandertais e dos caubóis - e, não por acaso, quase 100% branco. Mas eis que de repente ele está em todos os lugares, no cinema, na TV, no streaming - e não apenas nos jogos de futebol, onde nunca perdemos o hábito de encontrá-lo.

Mas sim, ele está de volta. Tom Cruise parou o último Festival de Cannes ao chegar com seus ases indomáveis - vovó chamaria de sua "esquadrilha da fumaça" - para divulgar o novo "Top Gun - Maverick". E o novo (velho) filme é um sucesso. De repente, abre-se uma fenda no tempo entre 1986 e 2022, e descobrimos que tudo o que queríamos ver na tela grande eram os caças ágeis e agressivos como boa e velha metáfora do p... do macho branco.

Não se engane: o macho viril não é apenas objeto do desejo de mulheres hétero e homens gays. Os homens heterossexuais o invejam, e gastam horas na academia e no crossfit para ser como ele. Como diria Freud, a inveja do pênis está em todos os lugares.

Corta para "O Homem do Norte", drama viking que não foi tão bem de bilheteria como "Top Gun". O pouco de interessante que o filme traz parece carregar a mensagem: "Taí o homem viking, feroz, que urra o tempo todo, aquele que você tava morrendo de saudade, mas não tinha coragem nem de confessar pra si mesmo (ou si mesma)".

O sueco Alexander Skarsgard, 1,94 metro de altura, loiro, branquíssimo como todo o seu povo nórdico, está tão, mas tão marombado que faz ele mesmo em "A Lenda de Tarzan" parecer um magrelo sem massa. Nem consigo imaginar o quanto de whey protein Alexander tomou pra esse novo filme.

Numa cena, ele nada de peito tão rápido que parece ter dois motores no braço. E dá-lhe machadada, decapitação, vingança a sangue frio, tudo aquilo que nos faz esquecer a nossa maldita civilização, "que é fraca e não consegue punir os bandidos". Não foi coincidência que, ao ver o filme, muita gente lembrou de Jacob Chansley, o cara que participou da invasão ao Capitólio americano com chapéu de chifre e com o rosto todo maquiado com a bandeira americana.

Por onde esse macho antigo voltou a ganhar foça, a reforçar seus músculos? Como se diz em inglês, todo movimento cultural acaba sofrendo seu "backlash" - o seu movimento contrário. Em tempos de #MeToo, há um imenso esforço para aumentar o espaço e mudar o tratamento dado qualquer um que não seja o homem branco. Mas qualquer um com mais de 25 anos foi criado num mundo onde esse macho ainda reinava absoluto. Voltando a Freud: o que a gente assimila na infância, carrega pela vida toda.

Na TV, "Pantanal" faz sucesso com seus machos hétero top sempre suados — dá quase pra sentir o cheiro do couro das selas que emana de dentro da TV. Tadeu, Alcides, Trindade, Levy, Zé Lucas: é só escolher o seu preferido e armar as fantasias eróticas — sem esquecer Zé Leôncio, o macho tradicional, antigo e ancestral, mas que pelo menos defende a natureza e não vota em Bolsonaro. Indecisa no meio dessa homarada à moda antiga, Irma (Camila Morgado) nos representa, sempre com um discurso politicamente correto na ponta da língua, mas sem conseguir resistir ao charme dos caubóis.

Não sei não, mas algo me diz que séries como "Game of Thrones" e "Outlander" começaram a cantar essa bola há uns dez anos, apostando nesses deuses da carnificina que condenamos em nossos posts no Insta enquanto desejamos em segredo, ou na roda de amigos no boteco. "Game of Thrones" projetou Jason Momoa, outro guerreiro medieval "made in" Havaí, cabelo comprido e olhos verdes. Momoa estrelou um remake de "Conan - O Bárbaro" e depois foi o escolhido para dar vida ao Aquaman.

Como o macho viril fatalmente morre pela boca, Momoa falou brincando numa entrevista em 2011 que o legal de fazer "Game of Thrones" é "ter tanta coisa que você pode fazer, como arrancar a língua de alguém e estuprar mulheres bonitas". O arrependimento pela "brincadeira" deve ter sido proporcional ao sucesso que ele teve depois.

E enquanto escrevo, mandam para mim no zap a primeira imagem de Ryan Gosling ("La La Land") como o Ken em carne e osso no filme da Barbie - talvez o mais aguardado dos últimos tempos pelo povo dos memes. Corpo sarado, cabelo loiro platinado, jaquetinha jeans esfarrapada... Ken poderia ser o irmão mais novo do He-Man em "Mestres do Universo" (1987), outro clássico da Sessão da Tarde estrelado por um dos maiores machos viris dos anos 80, Dolph Lundgren.

Só me resta torcer para que 2022 não seja 1986. E o novo macho viril possa ser lindo e sarado, tudo bem, mas também não tóxico, nem sempre branco, não necessariamente heteronormativo. Ainda bem que já temos um Idris Elba, um Michael B Jordan, um Seu Jorge aumentando seu espaço em tela e expandindo nosso conceito de homem padrão. Lembrando Gilberto Gil, "um dia vivi a ilusão de quer ser homem bastaria; que o mundo masculino tudo me daria do que eu quisesse ter". É bom lembrar que é tudo uma ilusão mesmo, e o que o mundo precisa ser bem mais do que os músculos do Momoa ou o caça do Tom Cruise.