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Thiago Stivaletti

REPORTAGEM

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'Dom João VI foi um escravagista e exterminador de indígenas', diz Fagundes

Antonio Fagundes (Dom João VI) e Ilana Kaplan (Carlota Joaquina) em "Independências", de Luiz Fernando Carvalho  - divulgação
Antonio Fagundes (Dom João VI) e Ilana Kaplan (Carlota Joaquina) em "Independências", de Luiz Fernando Carvalho Imagem: divulgação

Colunista do UOL

02/09/2022 04h00

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Antônio Fagundes pode ter encerrado seu contrato de longo prazo com a Globo, mas não perde a majestade. Depois de seis coronéis ou prefeitos nas novelas do horário nobre - os mais lembrados são os de "Renascer" (1993) e "O Rei do Gado" (1996) -, ele alcança ainda mais poder na TV Cultura, onde é um dos protagonistas de "Independências", série em 16 episódios que estreia na próxima quarta, dia 7, fazendo uma leitura crítica da Independência do Brasil.

Ele dá vida ao imperador Dom João VI, que trouxe sua corte para morar no Brasil em 1808 por um motivo pouco nobre - fugir das tropas de Napoleão, que dominavam a Europa. O personagem é muito lembrado na pele de Marco Nanini na comédia "Carlota Joaquina", filme que inaugurou a Retomada do cinema brasileiro em 1995. Sob a direção de Luiz Fernando Carvalho - com quem trabalhou nas novelas acima e também em "Velho Chico" e na minissérie "Dois Irmãos" -, uma das maiores metas do novo trabalho em "Independências" era fugir da caricatura.

"Essa figura do Dom João como comedor de frango era pejorativa, para destruir a imagem dele como monarca. Mas ao mesmo tempo escondia um lado dele muito sério: um exterminador dos povos indígenas, um escravagista que tornou dez vezes maior a entrada de escravizados no Brasil. Quando ele se interessou em abrir os portos, na verdade estava vendendo o país", reflete. "Por outro lado, a série do Luiz Fernando traz algo muito interessante: dar voz aos oprimidos, que agora são os narradores dessa história".

Para Fagundes, o trabalho na TV Cultura tem um gosto de retorno. Muito antes de ficar conhecido como galã na Globo, ele fez um teleteatro na emissora em 1969: "A Sopa", adaptação de um conto de Dalton Trevisan, com Miriam Muniz e Elias Gleizer e direção de Alfredo Mesquita. Um retorno diferente do que sente ao voltar ao universo de Carvalho. "O Luiz Fernando é um diretor que valoriza profundamente o trabalho do ator. Ele nos permite errar - e errar na televisão é muito raro. Em geral, tem que ir tudo certinho pro ar", analisa.

No primeiro episódio da série, mostrado à imprensa, ainda não deu para sentir a profundidade desses personagens da Corte portuguesa, que se refestela em banquetes muito parecidos com o do filme de Carla Camurati. Mas a voz dos excluídos se faz presente: a narração é feita em kimbundu pela escravizada Peregrina (Isabél Zuaa), dando conta de sentimentos como a expatriação forçada e a perda das raízes. Outros trechos são contados em tupi pelos nativos que veem com choque e descrença o aumento do domínio do colonizador em suas terras. Luiz Fernando Carvalho segue o seu estilo conhecido e reconhecido há muito tempo em sua obra, com longos closes de rosto, uma câmera que parece navegar junto com os navios negreiros e uma certa sensação de delírio coletivo - um delírio do qual não saímos até hoje.

Em torno de Fagundes na série, Walderez de Barros estudou canto gregoriano para viver a ultrarreligiosa Dona Maria, a Louca, mãe de Dom João; e Ilana Kaplan, conhecida dos palcos paulistanos, tenta dar um novo enfoque à folclórica Carlota Joaquina. "Carlota foi uma mulher à frente do seu tempo, que queria o poder, enfrentava o mundo masculino, falava várias línguas", afirma a atriz. O elenco é digno de novela das nove: Daniel de Oliveira (Dom Pedro I), Gabriel Leone (Dom Miguel), Maria Fernanda Cândido, Jussara Freire, Léa Garcia, Fafá de Belém e Margareth Menezes, entre muitos outros. Prova do prestígio que Carvalho acumula há mais de 30 anos com atores que continuam fazendo fila para trabalhar em seus novos projetos, não importa em que casa ele esteja.

Independências
Série em 16 episódios
Estreia nesta quarta, dia 7
Toda quarta-feira às 22h, na TV Cultura