Topo

Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Filmes de festivais no Rio e São Paulo dão conta da ansiedade das eleições

Luisa Arraes em cena do filme "Transe", de Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães - Divulgação
Luisa Arraes em cena do filme "Transe", de Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

14/10/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Os cinéfilos que amam o Festival do Rio - que termina no dia 16 - e a Mostra de São Paulo, que começa no dia 20 e segue até 2 de novembro, costumam aguardar com ansiedade os filmes internacionais que chegam premiados de festivais como Cannes, Berlim e Veneza. Este ano, porém, a chapa Brasil está tão quente, com os dois lados fervendo de ansiedade pelo resultado da eleição a presidente no próximo dia 30, que o foco está indo naturalmente para os filmes brasileiros que dão conta dessa "angústia Brasil". Um sentimento que só não vive quem está louco ou completamente anestesiado.

Já pude ver dois filmes, uma ficção e um documentário, que nos ajudam a nos situar onde estamos nesta polarização cada vez mais aguda de 2022. São filmes que remontam a um passado bem recente para nos ajudar a entender, em resumo, a que ponto chegamos.

"Transe", de Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães, volta a setembro de 2018 para mostrar três jovens boêmios da Lapa carioca tentando assimilar a iminente vitória de Bolsonaro à Presidência do Brasil. Luisa (Luisa Arraes) vive com Ravel (Ravel Andrade). Eles conhecem Johnny (Johnny Massaro), um rapaz desprendido que os ajuda a botar em prática o amor livre. Se dentro do apartamento eles respiram essa liberdade, na rua eles sentem o clima mudar. Logo no início, ela participa da histórica manifestação do #EleNão na Cinelândia, poucos dias antes do primeiro turno, quando mulheres de todas as idades se uniram para protestar contra o candidato da "fraquejada".

Mas a nova realidade começa a se manifestar pelas frestas. Uma amiga de Luisa logo observa que havia poucas mulheres pretas na manifestação, "porque deviam estar trabalhando, sem tempo para protestar". Um primo afastado dela, um de seus melhores amigos de infância, revela que vai votar em Bolsonaro e explica o seu voto. "Ele não é má pessoa, eu sei", ela defende para os amigos. "Na paralela da convocação pro #EleNão em setembro, recebi uma filipeta de uma festa grande de uns amigos meus. Era uma festa surrealista. Pensei: no dia de uma coisa tão real, ainda tinha uma festa sobre surrealismo, com dicas de que roupas usar para ir aos dois eventos. Comecei ali a pensar numa ficção, para além de um olhar documental", conta Carolina Jabor ao podcast Plano Geral. "Essa geração dos 20 anos só conviveu com Fernando Henrique e Lula, e achou que a vida era fácil", brinca.

O resultado é um filme em que as palavras, os argumentos e as discussões começam a dar lugar aos silêncios e a um sofrimento latente do corpo. Numa cena perto do final, Ravel faz uma performance numa festa em que seu corpo vai demonstrando uma evidente agonia com um futuro ainda incerto, mas certamente sombrio, como se comprovou nos anos seguintes.

Essa política que castiga o corpo também está no centro do documentário "Corpolítica", de Pedro Henrique França. O filme se passa exatos dois anos depois de "Transe", durante as eleições municipais de 2020, quando um número recorde de pessoas LGBTQIA+ se candidatou ao cargo de vereador em diferentes cidades, sobretudo nas maiores capitais. Monica Benicio, viúva de Marielle Franco eleita vereadora no Rio de Janeiro, relembra ao lado da mãe como esta demorou a aceitar a filha lésbica. A pedagoga trans Maria Clara Araújo, articuladora da Mandata Quilombo, conta como foi retirada do banheiro feminino de um shopping no Recife por todos os seguranças do local, enquanto um deles passava um rádio dizendo ao superior: "ela está aqui dizendo que é transgênico".

A mãe de Erika Hilton, eleita vereadora em 2020 e recém-eleita deputada federal por São Paulo, lembra como a filha era religiosa e muito carismática na igreja que frequentavam em Itu. Quando ela decidiu se assumir trans, foi expulsa da igreja e da casa da família. "Eu não queria saber se ela tinha onde dormir, onde comer. Na minha cabeça eu estava certa. Se Deus não aceitava, eu também não ia aceitar", diz a mãe. Tempos depois, fizeram as pazes.

Nos dois filmes, assim como em outros recentes - ver também o recente "Quebrando Mitos", de Fernando Grostein Andrade -, a voz de Bolsonaro ecoa como um fantasma, vociferando suas declarações racistas, homofóbicas, mentirosas, pseudocristãs. É um fantasma que se apoderou do nosso cinema nos últimos anos. Infelizmente, não tem como ser diferente.

TRANSE
Nesta sexta, 14/10, às 19h15, no Estação Net Gávea - Rio de Janeiro
Sábado, 15/10, às 13h30 no Cine Odeon - Rio de Janeiro
A partir de 20/10 na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - datas e horários a definir

CORPOLÍTICA
A partir de 20/10 na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - datas e horários a definir