Topo

Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com aposta no presencial, Mostra reúne filmes que não se vê no streaming

Cena do filme colombiano "La Jauría", de Andrés Ramírez Pulido - Divulgação
Cena do filme colombiano "La Jauría", de Andrés Ramírez Pulido Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

21/10/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Uma coisa é certa para os cinéfilos de São Paulo. Faça chuva ou faça sol, em tempos de vacas gordas ou muito magras para a cultura (como agora), a Mostra Internacional de Cinema toma as salas de São Paulo todo santo mês de outubro há 46 anos. Quase meio século de existência (e resistência) não é pra qualquer um. A Mostra começou em 1977, quando Leon Cakoff decidiu fazer uma mostra de cinema dentro do Masp, onde trabalhava. Em plena censura da ditadura militar, ele usava malas diplomáticas para trazer clandestinamente filmes do mundo todo que não seriam exibidos aqui de outra forma.

A Mostra atravessou a chegada do videocassete, do DVD, a pandemia, e agora a concorrência feroz do streaming, que acomoda as pessoas em casa. Ela já acolheu em São Paulo os melhores cineastas do mundo, dos mais aos menos conhecidos. Em 1992, um desconhecido Quentin Tarantino vinha apresentar seu primeiro longa, "Cães de Aluguel", e canetou todo o catálogo da Mostra, anotando as dezenas de filmes que queria descobrir por aqui. Três anos depois, um já célebre Pedro Almodóvar trazia Marisa Paredes e Rossy de Palma para abrir a Mostra no Vão Livre do Masp com "A Flor do Meu Segredo". É história que não acaba mais.

Comecei a trabalhar para a Mostra como assessor de imprensa em 2004, na 28ª edição, ano em que Leon e Renata de Almeida conseguiram reunir em São Paulo três gigantes: o iraniano Abbas Kiarostami, o português Manoel de Oliveira e o israelense Amos Gitai - dos três, apenas o último segue vivo e atuante. Jia Zhang-Ke, o maior cineasta da China atualmente, também passou por aqui.

Qual é o valor da Mostra nos dias de hoje? Nos apresentar filmes maravilhosos que a gente nem sabe que acabaram de nascer. Fazer a gente ver histórias, tempos e narrativas que simplesmente não chegam em nenhuma plataforma de streaming que a gente assina. (OK, o Mubi lança alguns dos filmes que passam na Mostra, e "Bardo", o novo filme do Alejandro Iñárritu, vai chegar à Netflix. Mas é muito pouco.) E depois de dois anos de pandemia, ela volta com força ao presencial, ocupando as principais salas da cidade - mas se você ainda quer ficar em casa ou não está em São Paulo, 15 filmes podem ser vistos online e gratuitamente, na plataforma do Sesc Digital ou na Spcine Play.

Abaixo, cinco dicas do que ver nos próximos dias nas salas da Mostra em São Paulo:

Cinema latino - Como todo ano, a Mostra apresenta uma seleção bem forte de filmes latinos que têm chegado cada vez menos às telas. No mexicano "Dos Estaciones", a dona de uma fábrica de tequila em Jalisco luta para manter sua fábrica aberta e não vendê-la aos estrangeiros. Com uma atmosfera densa e personagens fascinantes, o filme venceu o merecido prêmio de melhor atriz para Teresa Sánchez no Festival de Sundance. Consagrado em Cannes, o colombiano "La Jauría" é um forte retrato da violência em instituições para menores infratores. E muitos outros.

Conto de fadas - Hoje com 71 anos, Aleksandr Sokúrov, um dos cineastas mais importantes da Rússia, começou a carreira trabalhando com Andrei Tarkóvski. Ele ficou bastante conhecido com "Arca Russa" (2002), um filme rodado num impressionante plano-sequência dentro do Museu Hermitage, em São Petersburgo. Neste seu novo filme experimental, ele imagina um encontro delirante entre figuras tão diversas quanto Hitler, Mussolini, Stalin, Churchill e Jesus Cristo. Vai dizer que não ficou curioso?

Plano 75 - O cinema japonês tem uma forte tradição de tratar o tema da morte - o exemplo mais famoso é "A Balada de Narayama" (1983). Nesta estreia da diretora Chie Hayakawa, o programa Plano 75 estimula idosos que completam 75 anos a dar fim em suas vidas para "renovar a sociedade". Belas atuações e uma poderosa reflexão sobre o valor da vida.

Triângulo da Tristeza - O sueco Ruben Ostlund é o polêmico da vez. Com apenas seis longas no currículo, já venceu duas vezes a Palma de Ouro em Cannes - com "Tha Square - A Arte da Discórdia" (2017) e com esta comédia sobre um casal de modelos que embarca num cruzeiro e conhece todo tipo de gente milionária. Mas nada vai sair como previsto na viagem, numa sátira ácida aos valores dos ricos. Muitos críticos consideram Ostlund superestimado para tanto prêmio, mas o diretor imprime um bom ritmo à sua comédia, em que o absurdo não para de crescer até o final.

Pacifiction - O catalão Albert Serra é conhecido por filmes de ritmo mais lento como "Honor de Cavallería" (2006) e "A Morte de Luís XIV". Depois de vários filmes históricos, ele filma nos dias de hoje um alto oficial do governo francês e seu deslocamento existencial na ilha polinésia do Taiti, enquanto a presença fantasmagórica de um submarino pode indicar a volta dos testes nucleares da França na região. O filme competiu no último Festival de Cannes.