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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como viver sem 'Todas as Flores' até abril?

Protagonistas de Todas as Flores, novela do Globoplay - Globo/Estevam Avellar
Protagonistas de Todas as Flores, novela do Globoplay Imagem: Globo/Estevam Avellar

Colunista do UOL

06/01/2023 04h00

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Até bem pouco tempo, todo noveleiro vivia com uma certeza: de que encontraria um novo capítulo da sua novela preferida de segunda a sábado na TV. Primeiro, veio a pandemia em 2020, que interrompeu por tempo indeterminado as duas novelas da Globo que estavam no ar: "Amor de Mãe" e "Salve-se quem puder". Agora, a maior emissora do país decidiu mexer com as regras do jogo e estrear algumas histórias diretamente no Globoplay. Eis que "Todas as Flores", a nova trama do autor de "Avenida Brasil", foi interrompida bem na metade no dia 14 de dezembro e só volta no dia 5 de abril, na reta final do Big Brother.

É uma crise de abstinência para viciado nenhum botar defeito. Não adianta vir com série, filme, Big Brother, Copa do Mundo - nada tapa o buraco de querer saber tudo o que a mocinha cega Maíra (Sophie Charlotte) fará quando recuperar a visão depois de uma cirurgia - e fingir que ainda não pode ver enquanto procura o seu bebê, roubado pela própria mãe, a traficante de gente Zoé (Regina Casé).

Se você nunca viu a novela e leu só o pedacinho de sinopse acima, pode pensar que estou falando de uma novela da Televisa. Sim, "Todas as Flores" tem toda uma pegada de novela mexicana, trabalhada em cima das situações mais absurdas: uma enorme fazenda onde as vítimas de tráfico humano passam meses e meses antes de serem exploradas - as meninas mais jovens são engravidadas à força para fornecerem bebês para doação; um mocinho que se interessa pela irmã da noiva com quem ele acaba de romper; uma mãe vilã que começa a história do lado da filha má, mas, graças ao poder do amor, vai se deixando conquistar pela filha boa - nada mais novela que isso.

Mas João Emanuel Carneiro prova que o adjetivo "mexicana" não precisa ser associado a um defeito, mas a uma grande qualidade. O espectador fica doido para saber até onde vão as maldades de Vanessa (Letícia Colin); se seu amante Pablo (Caio Castro) vai se bandear para o lado do bem; se Zoé vai se virar de vez contra a própria filha Vanessa; se Humberto (Fabio Assunção) finalmente vai deixar de ser um banana e fazer qualquer coisa de relevante sem ser trolado pelo filho ou pela amante; e até se a ex-atriz pornô Mauritânia (Thalita Carauta, o grande destaque da novela) vai se render ao bonitão Javé (Jhona Burjack).

Voltando à questão do vício: já deu para perceber que ver novela no streaming pode causar uma dependência química maior que na TV. Você fica duas semanas sem ver, mas de repente tem dez capítulos à disposição para maratonar. No meu caso, vi o primeiro lote de "Todas as Flores" em três parcelas gigantes, indo dormir mais tarde, aproveitando a hora do almoço, deixando minha vida de lado. A dependência é tão grande que, mesmo após a interrupção da novela, os fãs não parecem ter migrado para "Travessia", a tradicional novela das nove, que anda mal de audiência. Nada resolve.

Enfim, deixo uma sugestão à Globo. Além daquele aviso que tem aparecido no Canal Viva antes das novelas antigas ("Esta obra reproduz comportamentos e costumes da época em que foi realizada") conste outro, parecido com aquele dos maços de cigarro: "Atenção: novelas boas podem causar dependência física e química, e podem ser interrompidas a qualquer momento pela emissora ou streaming que a produz".