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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na temporada do Oscar, Hollywood tenta se salvar lembrando que já foi forte

Margot Robbie e Brad Pitt em cena de "Babilônia", que estreia dia 19 de janeiro - Divulgação
Margot Robbie e Brad Pitt em cena de "Babilônia", que estreia dia 19 de janeiro Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

13/01/2023 04h00

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Algumas vezes, ao longo dos seus mais de 100 anos de história, Hollywood temeu que era chegado o seu fim. Aconteceu na chegada da TV aos lares americanos; na proliferação do videocassete, que permitia ver os filmes em casa; e está acontecendo agora, quando o streaming domina as opções de pessoas que antes iam uma ou duas vezes aos cinemas. E mais uma vez, a pergunta está em aberto: o cinema vai superar essa, ou vai acabar de vez?


Num curta-metragem de 2007, David Cronenberg, diretor de sucessos como "A Mosca" e "Crash - Estranhos Prazeres", mostrava, num futuro indefinido, "o último judeu do mundo ameaçando se suicidar dentro da última sala de cinema do mundo" (pode parecer uma tragédia, mas era uma grande brincadeira em tom de comédia). Um casal de apresentadores de um telejornal tipo CNN explicava aos espectadores: "você sabe o que é um cinema? É uma sala escura onde dezenas de pessoas se reuniam para ver um filme ao mesmo tempo." (Atenção: se reuniam, no passado.)

Hoje, enquanto a crise rola (ou melhor, se agrava), com bilheterias em declínio, Hollywood resolveu mostrar sua força acionando o botão da nostalgia. Nunca tantos filmes ao mesmo tempo mostraram uma cena em comum: uma sala de cinema lotada no passado, com os espectadores se emocionando com um filme projetado em tela imensa. Também mostram como os filmes são feitos de sangue, suor e lágrimas - e portanto merecem ser vistos numa sala apropriada. Parece um pouco aquele seu avô aposentado que vive das glórias passadas porque, infelizmente, já não vive mais nenhuma aventura no presente.

Essa onda começou durante a pandemia, em séries como "The Offer" (da Paramount+), que mostra os bastidores da produção de "O Poderoso Chefão" (1972), um dos filmes mais amados do mundo. E segue forte nos filmes que devem disputar o Oscar - os indicados serão conhecidos no próximo dia 24.

A seguir, os filmes sobre Hollywood que estão chegando aos cinemas:

BABILÔNIA - Nos anos 20 do século passado, quando o cinema ainda era mudo, Hollywood era conhecida pela loucura e devassidão das suas festas. Eram eventos que deixariam o mítico "dark room" da Globo (que ninguém ainda provou existir) parecendo a igreja na missa de domingo. Cocaína e todas as drogas rolavam soltas, animais exóticos faziam performances para os convidados em pleno salão e o sexo não tinha freios - e às vezes nem precisava de um quarto privado. Essa total insanidade é revisitada em "Babilônia", com Brad Pitt, que estreia no próximo dia 19.

O diretor Damien Chazelle ("La La Land") conta a ascensão e queda desse período por meio de figuras bem cativantes. Tem uma pegada parecida com "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino - este ambientado no final dos anos 60 -, mas consegue ser melhor. Manuel (Diego Calva), um mexicano que sonha em trabalhar num set de filmagem, se apaixona pelo furacão Nelly LaRoy (Margot Robbie), cuja ambição é se tornar uma grande estrela do cinema mudo. Os dois vão cair nas graças do poderoso ator e produtor Jack Conrad (Brad Pitt), uma espécie de resumo encarnado da loucura da época.

É uma comédia de tirar o fôlego, enfileirando loucuras ao longo de mais de três horas de filme - mas não se assuste com a duração; ele parece ter no máximo duas horas. Nelly se dá conta do seu sucesso ao ver o público reagindo a seu primeiro filme, numa pré-estreia lotada. Mas, ao final, é Manuel quem vai chorar de saudade numa sala igualmente lotada depois que todo esse tempo tiver ficado para trás. É a jornalista Elinor (Jean Smart, da série "Hacks") quem manda a real para Jack quando ele já não é chamado mais para estrelar grandes filmes: "Um dia todos nós vamos estar enterrados. E outros vão estar no nosso lugar". Detalhe: Smart, uma atriz que se firmou na TV, manda essa real para Brad Pitt, um homem do cinema.

Os Fabelmans - Divulgação/Universal Pictures - Divulgação/Universal Pictures
Cena de "Os Fabelmans", que venceu o Globo de Ouro de melhor filme dramático
Imagem: Divulgação/Universal Pictures

OS FABELMANS - Num vídeo apresentado antes da sessão de imprensa de "Os Fabelmans", já em cartaz nos cinemas, Steven Spielberg agradece muitas vezes o espectador por ter ido até uma sala de cinema ver sua nova obra - que fala justamente sobre a grandeza da sétima arte. Ele não precisava fazer isso antes - o público lotava as salas naturalmente para ver "Tubarão", "E.T" ou "O Resgate do Soldado Ryan".

O cineasta mais bem-sucedido da história (estamos falando de bilheteria) virou estrela de sua própria história. Em "Os Fabelmans", ele relembra a sua infância e adolescência, quando se apaixonou perdidamente pelo cinema - na verdade teve muito medo da tela grande em sua primeira ida a uma sala grande -, ganhou sua primeira câmera e começou a mostrar seu talento em dirigir já no colégio. Logo no início, os pais o levam para ver "O Maior Espetáculo da Terra", um blockbuster de 1952. Sam fica tão encantado que decide reproduzir em casa a cena do acidente do trem. O filme termina antes do sucesso absoluto do diretor com "Tubarão" e "E.T.", mas mostra um episódio curioso: o encontro do jovem Spielberg, prestes a ser contratado por um grande estúdio, com o mestre John Ford, diretor de filmes como "Rastros de Ódio" (1956) e "O Homem que Matou o Facínora" (1962).

Não é um filme-testamento - Spielberg não pretende se aposentar tão cedo, e leva jeito de que vai morrer trabalhando. Mas os seus últimos longas são todos impregnados de nostalgia. Antes de "Os Fabelmans", ele dirigiu a refilmagem de "Amor, Sublime Amor" (1961). E o próximo também será um remake - do policial "Bullitt" (1968), um grande sucesso do ator Steve McQueen.

Império da Luz - Divulgação - Divulgação
Olivia Colman em "Império da Luz", de Sam Mendes, que estreia em fevereiro
Imagem: Divulgação

IMPÉRIO DA LUZ - O próprio nome do filme já é uma homenagem às salas de cinema. Sam Mandes, diretor de sucessos como o oscarizado "Beleza Americana" e "007 - Operação Skyfall", conta a história de Hilary (Olivia Colman), uma mulher com problemas psiquiátricos que trabalha numa sala de cinema numa pequena cidade do litoral britânico nos anos 80. Ela se apaixona por Stephen (Micheal Ward), um rapaz mais jovem que também vai trabalhar no cinema. Não chega a ser uma autobiografia como "Os Fabelmans", mas Mendes afirmou em entrevistas que o filme tem muitos elementos pessoais. Ao contrário dos dois filmes acima, "Império da Luz" teve uma recepção morna de público e crítica nos EUA e não deve receber muitas indicações ao Oscar - mas Olivia Colman (melhor atriz) e Roger Deakins (melhor fotografia) devem ser lembrados pela Academia. O filme está previsto para estrear em 23 de fevereiro no Brasil.