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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na estreia, 'Vai na Fé' vai além da religião e defende a inclusão racial

Sol (Sheron Menezzes) em Vai na Fé - Globo/João Miguel Júnior
Sol (Sheron Menezzes) em Vai na Fé Imagem: Globo/João Miguel Júnior

Colunista do UOL

16/01/2023 21h14

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Com "Vai na Fé", nova novela das sete que estreou nesta segunda, a Globo ensaia seu passo mais importante para se aproximar do público cristão - 87% do total dos brasileiros, segundo o último censo do IBGE, dos quais 22% evangélicos.

Houve tentativas abortadas no passado: em "Amor à Vida" (2013), Valdirene, a periguete vivida por Tatá Werneck, iria se tornar evangélica, mas a emissora temeu que o viés cômico fosse ofensivo a esse público e desistiu da ideia.

O fervor religioso voltou a dar as caras nos últimos anos com dona Lourdes (Regina Casé) em "Amor de Mãe" (2019) e a Filó (Dira Paes) em "Pantanal" (2022). Mas a Sol de "Vai na Fé", vivida por Sheron Menezzes de forma solar, vai um pouco além.

Pela primeira vez, uma personagem é vista na igreja entoando músicas gospel. Sua família usa a religião como principal ferramenta na educação dos filhos - já neste primeiro capítulo, ouvimos em sua casa frases como "Mentir é pecado" e "Olha o respeito, Deus tá vendo!".

Como gostam de lembrar os evangélicos, a igreja já apareceu nesta estreia como uma comunidade em que todos se ajudam - o pastor promete dar uma força para o marido de Sol encontrar um emprego.

É um movimento natural que a cultura de massa tem feito nos últimos tempos para abraçar a cultura cristã, antes esnobada como algo exclusivo dos mais pobres - e inclui Caetano Veloso gravando um gospel pela primeira vez, nomes como a ex-gospel Priscilla Alcântara abraçando a música pop mais comercial e a comédia "Nas Ondas da Fé", com Marcelo Adnet, que acaba de estrear nos cinemas.

Mas a Globo não consegue (e nem deve) abrir mão do manual de diversidade em suas tramas. Já neste primeiro capítulo, deu pra ver que a nova novela das sete não vai colocar a religião acima de outros temas igualmente importantes.

A autora Rosane Svartman, que vem de dois grandes sucessos no horário - "Totalmente Demais" (2015) e "Bom Sucesso" (2019) - prova que é uma das melhores autoras da sua geração ao trazer a inclusão social (e racial) para o centro do debate de "Vai na Fé".

Primeiro, é preciso louvar uma atriz negra como protagonista (Sheron Menezzes, estreando na função depois de 21 anos de Globo), e não Carolina Dieckmann (aqui num papel coadjuvante, a advogada e professora Lumiar). Personagens negros dominam a trama e brilharam neste primeiro capítulo - como Bem (Samuel de Assis), o doce e apaixonado marido de Lumiar.

Enquanto Sol vende marmita no porta-malas do carro e precisa fugir da fiscalização, sua filha Jenifer (Bella Campos) conseguiu ingressar numa faculdade pública de Direito e é a primeira da família a ir tão longe nos estudos. "Imagina, ela vai estudar com os mesmos playboys que dançavam no nosso baile funk", comenta Sol.

A distância e os conflitos entre os alunos bem-nascidos e os vindos de baixo prometem render. E, se em "Vale Tudo" (1988) a vilã Maria de Fátima tinha vergonha da mãe que vendia sanduíche na praia, agora Jenifer tem orgulho da mãe batalhadora e do vestido que ela comprou para o seu primeiro dia de aula.

E ainda sobrou tempo para falar de violência contra a mulher e feminicídio na figura de Alexia (Deborah Secco, em participação especial), atriz agredida pelo marido e resolve botar a boca no mundo com a ajuda de Lumiar. "Você sabia que o Brasil é um dos países que mais mata mulheres só porque são mulheres?", lembrou a advogada.

Mas novela não é palanque político, e não adianta abraçar tantos temas relevantes se não entreter - e, no horário das sete, ainda ser leve. Rosane Svartman já provou que sabe fazer isso de sobra. "Vai na Fé" precisa só encontrar o caminho do meio entre o relevante e o divertido para agradar uma boa parte do público, cristão ou não.