Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
No cinema e na TV, rir da cara dos ricos está na moda
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Temos inveja dos ricos, por todo o luxo, riqueza, conforto e o pouco trabalho duro que eles aparentam ter. Mas vamos falar a verdade: ser rico é uma grande desgraça. Pelo menos é o que nos vendem inúmeros filmes e séries lançados nos últimos tempos.
Dois filmes recentes bebem na fonte dos reality shows para mostrar milionários confinados, vivendo situações piores que as de qualquer BBB ou "No Limite". Pelo buraco da fechadura, espiamos como, em situações de sobrevivência, o caráter deles vale menos do que o nosso. Em "Triângulo da Tristeza", vencedor da Palma de Ouro em Cannes que estreia nesta quinta nos cinemas, milionários embarcam num cruzeiro VIP para pouquíssimos. Depois de banhos de sol na piscina, selfies fúteis e um belo jantar, o terror começa. O navio balança, lindas madames vomitam sobre seus vestidos brilhosos, o glamour dá lugar a um show de nojo. Passageiros ricos e funcionários pobres vão parar numa ilha deserta, e aos poucos a velha hierarquia de poder desmorona. O riso é garantido - que delícia ver os patrões terem que seguir a lei do empregado. Dá pra sentir Marx, Lênin e Fidel Castro rindo junto com a gente no cinema.
Corta para "O Menu", outra comédia de humor ácido, no streaming da Star+. Nesse "Masterchef" macabro, Ralph Fiennes é o cozinheiro que prepara uma surpresa sinistra atrás da outra para um grupo de comensais que vai pagar uma fortuna pelo banquete seis estrelas - entre eles, uma crítica de gastronomia esnobe e um casal riquíssimo que já foi mais de dez vezes ao restaurante, mas não consegue lembrar um único prato que comeu lá. A única personagem com chance de redenção é a mocinha que de rica não tem nada, e que parece não ligar para emulsões e legumes confitados. Os ricos de verdade, esses vão penar até o fim. Lembra um pouco "O Discreto Charme da Burguesia" (1972), do espanhol Luís Buñuel, em que um grupo de seis pessoas tenta concluir um jantar diversas vezes sem conseguir.
Nas séries, essa crítica ao mundo dos ricos ganha um pouco mais de sutileza do que no cinema. Em "The White Lotus" (HBO Max), série preferida de nove entre dez pessoas atualmente, os ricos mal percebem quando humilham o gerente do hotel na primeira temporada, iludem funcionários com falsas promessas de investimento (Tanya e a massagista na primeira temporada) ou passam dias sem pagar uma garota de programa da qual já usaram os serviços (Cameron e Lucia na segunda temporada). Mas saímos com a sensação de que ser rico é viver diversos infernos, da impossibilidade de confiar nas pessoas (Tanya e os famosos amigos gays) a diversos recalques sexuais. Se você pensa que passar dias lindos num resort no Havaí ou na Sicília só pode ser o paraíso, "The White Lotus" nos assegura que às vezes é melhor ficar em casa vendo uma série sossegado.
Também não é fácil a vida de Molly (Maya Rudolph), a milionária que tenta voltar a ser feliz depois que o marido a troca por uma novinha em "Fortuna", ótima série de comédia da Apple TV+. Vai ser preciso toda uma via crúcis para ela provar que é gente como a gente e sair de boa para beber com os funcionários. Mas nada supera "Succession", série da HBO que este ano chega à quarta temporada. Ninguém presta na família Logan, dona de um conglomerado bilionário que engloba de grupos de mídia a parques temáticos. Roy, o patriarca, é um poço de cólera e ressentimento; três de seus filhos sonham em tomar o lugar do pai, mas dão repetidas demonstrações de ingenuidade, despreparo e incompetência. Isso sem falar nos agregados em volta, que se dedicam a puxar o saco dos irmãos e do pai em tempo integral. São vários os momentos patéticos, como a festa de aniversário de Kendall em que ele recebe os convidados com uma jaqueta "de mano" para quebrar sua imagem de mauricinho. Não temos real amor por ninguém da família Logan, e por isso mesmo temos orgasmos ao ver o barco afundar aos poucos.
Em todas essas histórias, fica valendo a máxima: já que você não pode se juntar aos ricos, o jeito é rir da cara deles.
PS: Nesta quinta, o Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta, fecha as portas para dar lugar a mais um prédio residencial. Passei por lá na última terça à noite, quando, impulsionados pela promoção do ingresso a R$ 10, tanto as salas quanto o delicioso Café Fellini estavam lotados. É um espaço a menos para a gente circular na Augusta, além de uma perda cultural evidente. Só resta ter fé na força renovadora de São Paulo, torcendo para que um novo cinema de rua surja em breve naquele pedaço.
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