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Thiago Stivaletti

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nossa menina roqueira se foi, e ninguém está à altura dela

Morre Rita Lee aos 75 anos; Rainha do Rock foi diagnosticada com câncer em 2021  - Divulgação
Morre Rita Lee aos 75 anos; Rainha do Rock foi diagnosticada com câncer em 2021 Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

09/05/2023 13h37

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Eu tinha cinco ou seis anos quando fui fuçar nos discos dos meus pais e vi aquela moça ruiva, linda, de vestido branco flutuante, saindo de um fundo marrom esfumaçado. Era o álbum "Rita Lee", ou "Lança Perfume" (1980). Tinha só oito faixas, mas era tão forte que seis delas viraram hits nas rádios da época: "Lança Perfume", "Bem-me-quer", "Baila Comigo", "Caso Sério", "Nem Luxo nem Lixo", "Ôrra meu!".

Foi amor à primeira ouvida. Rita sempre teve um quê de infantil que se comunicava imediatamente com as crianças. "Bem-me-quer, mal-me-quer", "sanduíche de gente", "baila comigo como se baila na tribo"... As letras eram adultas e falavam de amor, mas tinham um lado lúdico irresistível, brincalhão, encantador. Só anos depois, adolescente, fui descobrir que aquela moça tinha sido mais drogas e rock'n'roll do que aparentava nos anos 80, e fui descobrir também a riqueza dos Mutantes.

A TV potencializava sua voz, sua presença sedutora. Fosse dando um selinho na Hebe, com suas tiradas maravilhosas no Jô, nas 78 trilhas de novela de que participou, ela fazia parte da nossa vida diariamente. Em 1982, ela cantava "Flagra" na abertura da novela "Final Feliz" - "No escurinho do cinema, chupando dropes de anis...". Foram ainda muitos temas de abertura, entre eles "Sassaricando" em 1987 e "A Próxima Vítima" em 1995, dando o tom de suspense que a trama exigia. Inesquecível também sua participação em "Top Model" (1989) como a mãe roqueira de Ringo Starr, um dos filhos do surfista Gaspar (Nuno Leal Maia).

Num tempo em que a mídia tinha a beleza como principal (às vezes único) critério para valorizar uma mulher, Rita sempre impactava com sua inteligência, senso de humor afiado, um DNA de roqueira que desafiava tudo que era estabelecido, padronizado e programado. Era talento demais para ser enquadrado em qualquer lugar que fosse. Artista generosa, deu composições primorosas para outros artistas: "Alô Alô Marciano", sucesso na voz de Elis Regina, é uma das letras que mais resumem a sua ironia, o seu deboche diante de uma sociedade que nunca funcionou direito. Seu dueto de "Mania de Você" com Milton Nascimento no Acústico MTV é uma das coisas mais sublimes já feitas,

No final da vida, Rita batizou seu tumor de Jair, uma anti-homenagem a nós sabemos quem. Fez seu pensamento brilhar até o fim. É lindo saber que ainda teve tempo de receber grandes homenagens em vida.